sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Quanto “crescer”?

Mario O. Cencig (cencig@unicamp.br)
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE)
Unicamp

Nestes tempos ‘quantitativos’ de “assegurar o crescimento do PIB”, “exportar mais”, “vender mais automóveis”, etc., essa parece uma questão esdrúxula, e mais ainda quando a maioria das pessoas sofre com importantes carências econômicas, sociais, culturais, etc. Mas, como planejadores, é um bom exercício nos colocarmos essas ‘provocações’, entre outras, e re-pensar algumas coisas que parecem óbvias a fim de refletir sobre os rumos de nossa sociedade.

O ser humano é uma espécie relativamente nova no planeta, nossa aparição e posterior processo evolutivo se remonta a algo em torno de um milhão de anos atrás (uns 150 mil anos se considerarmos o homo sapiens), em uma Terra que tem mais ou menos uns 4,5 bilhões de anos de idade.

Começamos em algum ponto da África como pequenos bandos nômades, comendo aquilo que tínhamos “a mão”, e chegamos a pouco mais de 6,7 bilhões de pessoas espalhadas por todos os cantos do planeta, nos alimentando e utilizando uma grande quantidade e variedade de materiais e energia. Isto pode ser ilustrado com as curvas do gráfico a seguir.


Observa-se que a taxa de crescimento do consumo de energia tem sido maior que a do aumento da população, o que quer dizer que estamos cada vez mais vorazes com relação à utilização desses recursos. Assim, passamos de 0,67 TEP/per capita em 1890, para 1,30 TEP/per capita em 1950, e para 2,48 TEP/per capita em 1990.

Como foi que isso aconteceu? Bem, no inicio o nosso consumo de energia foi na alimentação, basicamente aquelas 2.000 kcal diárias; depois, veio o uso do fogo (provavelmente biomassa em várias formas) para nos aquecer, cozinhar e afugentar as feras; mais recentemente, uns 10 mil anos atrás, com o assentamento das sociedades agrícolas em locais fixos, acrescentou-se como um item importante o uso de energia para as atividades de produção, e lá pelos séculos X-XII para as de transporte, quando a troca de produtos entre comunidades vizinhas se tornou mais relevante.

A primeira resposta perante esse fato seria “é o progresso”. Isto é, a família agora ‘consome mais energia’ porque antes não tinha geladeira e agora comprou uma, ou tinha um carro e agora tem dois, ou colocou ar condicionado em todos os cômodos da casa, etc.

Assim, progresso seria sinônimo de bem-estar, a tendência natural do ser humano iria no sentido do progresso, o progresso implica maior consumo, isso seria inevitável e os problemas que houver (e os há) já veremos como se resolvem.

Com relação a essa questão, é interessante observar o segundo gráfico, que traz para uma série de paises os dados do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e do consumo de energia per capita, segundo dados da ONU (ano base: 2005).


Várias leituras são possíveis. Uma delas é com relação aos conjuntos de países; assim, a maioria dos países africanos (pontos verdes) encontra-se na parte inferior de ambas escalas, imediatamente seguida pelos países latino-americanos, são os chamados “subdesenvolvidos”. Os países europeus, alguns dos asiáticos e os EUA vem na seqüência, com valores crescentes de ambas magnitudes, são os chamados “desenvolvidos”.

Esta situação sugere a curva continua traçada (uma interpolação que fiz dos dados, não necessariamente uma relação causal), que parece indicar uma correlação direta entre ambas magnitudes: para um maior consumo de energia maior é o IDH, e vice-versa. Isto é, para ter uma melhor qualidade de vida (se pensarmos o IDH como uma medida dessa qualidade de vida) haverá que consumir mais energia, e, consumindo mais energia melhoraremos a nossa qualidade de vida, o que confirmaria - pelo menos para a energia - o enunciado acima com relação ao progresso.

Mas há uma outra leitura, que é a que quero enfatizar neste momento: essa correlação é relevante até um certo ponto (a parte inicial da curva), ultrapassado esse ponto o aumento do IDH é muito menor, e o que acontece, em verdade, é o desperdício. Isto fica claro se compararmos a situação dos EUA com vários países europeus: o consumo energético norte-americano é muito superior sem que por isso o seu IDH seja maior (Noruega, Suécia, Bélgica e Canadá estão acima na escala).

Assim, poderíamos melhorar a pergunta do título: crescer sim, mas quanto? e como?. Eis algumas questões para depois.



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