segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Debate Necessário sobre o Pré-Sal

Edmar de Almeida, Helder Queiroz e Ronaldo Bicalho
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ

As promissoras perspectivas do Brasil se tornar, na próxima década, um exportador líquido de petróleo a partir do desenvolvimento das jazidas encontradas na área do pré-sal, no pólo da Bacia de Santos, tiveram como principal conseqüência o início de um intenso debate sobre questões centrais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Evidentemente que o alcance e a dimensão do tema convidam para este debate, com toda razão, uma série de reflexões diferentes. Por um lado, a ampliação do interesse pelo tema é extremamente salutar. Por outro, é difícil não ocorrer o dilema da quantidade-qualidade: a multiplicação das opiniões veiculadas implica na necessidade de se filtrar adequadamente as análises criteriosas das defesas - legítimas - de interesses. E devemos recordar que este debate ainda se dá num regime de informação incompleta quanto aos volumes recuperáveis de petróleo e de gás e quanto à extensão e possível conexão de reservatórios nos diferentes blocos.

Importa destacar que o problema é novo e complexo. Apenas no pólo da Bacia de Santos, as primeiras estimativas permitem considerar, de forma conservadora, que o país passaria a deter reservas equivalentes às da Venezuela. A novidade e complexidade estão fundamentalmente associadas às formas pelas quais a União poderia exercer seus direitos constitucionais de propriedade das jazidas, nas áreas adjacentes aos blocos que já lograram sucesso.

O que parece consensual neste momento é que o regime atual de contratação, ancorado nos contratos de concessão, não fornece a segurança jurídica necessária aos diferentes operadores e à própria União, o que dificultaria a negociação e assinatura de um acordo de individualização da produção no pólo pré-sal da Bacia de Santos. A partir deste consenso, o embate de interesses e de idéias gira em torno de propostas que seriam centradas em i) mudanças marginais de adequação do marco legal, fiscal e regulatório; ou ii) alteração profunda do modelo vigente com a criação de novas instituições que pudessem dar conta da complexidade do problema.

A solução virá, como sempre, de um processo político negociado. Este é provavelmente o melhor problema que democracias que amadurecem podem ter. Trata-se de criar as condições para administrar a riqueza e não a escassez; e, além disso, permitir a construção de reflexões de longo prazo que transcendem o setor energético.

Por tais razões, independentemente do resultado do processo de negociação política, é essencial que o debate parta de premissas corretas. Neste sentido, acreditamos que o debate avançaria de forma mais objetiva se cinco pontos fossem considerados.

Primeiro, a taxação da renda petrolífera e dos derivados do petróleo se constitui, em todo mundo, uma fundamental fonte de arrecadação fiscal, inclusive nos países que são importadores líquidos. Desse modo, a direção correta do fluxo de recursos é da indústria para o Estado. Qualquer alternativa que vise inverter esta direção, fazendo com que o Estado e seus contribuintes injetassem recursos financeiros nos programas de investimentos, deveria ser descartada.

Segundo, a complementaridade entre empresas privadas e estatais, presentes ou potenciais entrantes, no setor, deveria ser preservada. A descoberta do pólo pré-sal é uma ilustração exemplar do resultado do processo de abertura que permitiu a formação de consórcios entre operadores que repartem riscos, custos e eventuais prêmios da exploração petrolífera.

Terceiro, as diretrizes governamentais deveriam buscar uma solução que minimize o tempo de desenvolvimento da produção. O pior dos mundos, na atual situação, seria a postergação da entrada em operação das novas jazidas decorrente de impasses jurídicos que prejudicassem o estabelecimento do acordo de individualização da produção. Isto significaria uma enorme perda financeira para as empresas e para o país, e poderia mergulhar o marco regulatório numa crise de credibilidade.

Quarto, com o país se tornando efetivamente exportador, o volume de receitas gerado implicará na necessidade de uma revisão cuidadosa dos mecanismos de controle social da indústria brasileira de petróleo e de gás. Isto passa pelo papel e missões da Petrobras na economia brasileira, bem como pelos critérios de arrecadação, repartição e uso das participações governamentais. Aqui, uma vez mais, será inevitável a negociação política entre as unidades da federação, empresas e União em torno da repartição da renda petrolífera.

Quinto e último, a sustentabilidade dos investimentos deve ser priorizada. Para tal, a decisão quanto ao ritmo de desenvolvimento da produção assume um caráter crucial. Neste primeiro momento, parece sensato não ir com toda sede ao pote. Se estiver correta a estimativa que, apenas no pólo pré-sal da bacia de Santos, seriam necessárias entre 40 e 50 plataformas, é possível afirmar que as restrições de capital, de equipamentos e de mão-de-obra qualificada tenderiam a encarecer sobremaneira os custos de produção. Além disso, a definição de um ritmo cadenciado de produção permitiria a incorporação, no tempo, dos benefícios advindos do processo de aprendizagem tecnológica, cujos desafios ainda são grandes. Ainda neste ponto, o escalonamento no tempo desse programa de investimentos tem impactos diretos na estrutura e nas modalidades de financiamento. Neste sentido, o desenvolvimento e a comercialização do petróleo e do gás das primeiras unidades de produção possibilitariam ampliar a capacidade de autofinanciamento das unidades seguintes, a partir da reinversão nos programas de investimento de uma parte das receitas da produção inicial do pré-sal.

Como visto, estas premissas são centrais e, a partir delas, é que deveriam ser desenhadas as alternativas de implementação de mudanças no marco regulatório e no regime fiscal. Isto poderia contribuir para eventualmente reduzir a amplitude das expectativas dos agentes quanto às mudanças que estão por vir. Como foi mencionado acima, o tema é novo, complexo e modificou as condições de contorno da indústria brasileira de petróleo e da própria economia brasileira. Não dá para sentar em cima do baú de interesses, assoviar e fingir que nada está acontecendo. O país necessitará de maturidade tecnológica, institucional e política para lidar com o melhor problema econômico que já teve nas mãos. Para isto terá que se preparar para as mudanças e eventuais rupturas. Isto não será nenhum pecado, tampouco original.

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