Edmar de Almeida, Helder Queiroz e Ronaldo Bicalho
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ
As promissoras perspectivas do Brasil se tornar, na próxima década, um exportador líquido de petróleo a partir do desenvolvimento das jazidas encontradas na área do pré-sal, no pólo da Bacia de Santos, tiveram como principal conseqüência o início de um intenso debate sobre questões centrais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Evidentemente que o alcance e a dimensão do tema convidam para este debate, com toda razão, uma série de reflexões diferentes. Por um lado, a ampliação do interesse pelo tema é extremamente salutar. Por outro, é difícil não ocorrer o dilema da quantidade-qualidade: a multiplicação das opiniões veiculadas implica na necessidade de se filtrar adequadamente as análises criteriosas das defesas - legítimas - de interesses. E devemos recordar que este debate ainda se dá num regime de informação incompleta quanto aos volumes recuperáveis de petróleo e de gás e quanto à extensão e possível conexão de reservatórios nos diferentes blocos.
Importa destacar que o problema é novo e complexo. Apenas no pólo da Bacia de Santos, as primeiras estimativas permitem considerar, de forma conservadora, que o país passaria a deter reservas equivalentes às da Venezuela. A novidade e complexidade estão fundamentalmente associadas às formas pelas quais a União poderia exercer seus direitos constitucionais de propriedade das jazidas, nas áreas adjacentes aos blocos que já lograram sucesso.
O que parece consensual neste momento é que o regime atual de contratação, ancorado nos contratos de concessão, não fornece a segurança jurídica necessária aos diferentes operadores e à própria União, o que dificultaria a negociação e assinatura de um acordo de individualização da produção no pólo pré-sal da Bacia de Santos. A partir deste consenso, o embate de interesses e de idéias gira em torno de propostas que seriam centradas em i) mudanças marginais de adequação do marco legal, fiscal e regulatório; ou ii) alteração profunda do modelo vigente com a criação de novas instituições que pudessem dar conta da complexidade do problema.
A solução virá, como sempre, de um processo político negociado. Este é provavelmente o melhor problema que democracias que amadurecem podem ter. Trata-se de criar as condições para administrar a riqueza e não a escassez; e, além disso, permitir a construção de reflexões de longo prazo que transcendem o setor energético.
Por tais razões, independentemente do resultado do processo de negociação política, é essencial que o debate parta de premissas corretas. Neste sentido, acreditamos que o debate avançaria de forma mais objetiva se cinco pontos fossem considerados.
Primeiro, a taxação da renda petrolífera e dos derivados do petróleo se constitui, em todo mundo, uma fundamental fonte de arrecadação fiscal, inclusive nos países que são importadores líquidos. Desse modo, a direção correta do fluxo de recursos é da indústria para o Estado. Qualquer alternativa que vise inverter esta direção, fazendo com que o Estado e seus contribuintes injetassem recursos financeiros nos programas de investimentos, deveria ser descartada.
Segundo, a complementaridade entre empresas privadas e estatais, presentes ou potenciais entrantes, no setor, deveria ser preservada. A descoberta do pólo pré-sal é uma ilustração exemplar do resultado do processo de abertura que permitiu a formação de consórcios entre operadores que repartem riscos, custos e eventuais prêmios da exploração petrolífera.
Terceiro, as diretrizes governamentais deveriam buscar uma solução que minimize o tempo de desenvolvimento da produção. O pior dos mundos, na atual situação, seria a postergação da entrada em operação das novas jazidas decorrente de impasses jurídicos que prejudicassem o estabelecimento do acordo de individualização da produção. Isto significaria uma enorme perda financeira para as empresas e para o país, e poderia mergulhar o marco regulatório numa crise de credibilidade.
Quarto, com o país se tornando efetivamente exportador, o volume de receitas gerado implicará na necessidade de uma revisão cuidadosa dos mecanismos de controle social da indústria brasileira de petróleo e de gás. Isto passa pelo papel e missões da Petrobras na economia brasileira, bem como pelos critérios de arrecadação, repartição e uso das participações governamentais. Aqui, uma vez mais, será inevitável a negociação política entre as unidades da federação, empresas e União em torno da repartição da renda petrolífera.
Quinto e último, a sustentabilidade dos investimentos deve ser priorizada. Para tal, a decisão quanto ao ritmo de desenvolvimento da produção assume um caráter crucial. Neste primeiro momento, parece sensato não ir com toda sede ao pote. Se estiver correta a estimativa que, apenas no pólo pré-sal da bacia de Santos, seriam necessárias entre 40 e 50 plataformas, é possível afirmar que as restrições de capital, de equipamentos e de mão-de-obra qualificada tenderiam a encarecer sobremaneira os custos de produção. Além disso, a definição de um ritmo cadenciado de produção permitiria a incorporação, no tempo, dos benefícios advindos do processo de aprendizagem tecnológica, cujos desafios ainda são grandes. Ainda neste ponto, o escalonamento no tempo desse programa de investimentos tem impactos diretos na estrutura e nas modalidades de financiamento. Neste sentido, o desenvolvimento e a comercialização do petróleo e do gás das primeiras unidades de produção possibilitariam ampliar a capacidade de autofinanciamento das unidades seguintes, a partir da reinversão nos programas de investimento de uma parte das receitas da produção inicial do pré-sal.
Como visto, estas premissas são centrais e, a partir delas, é que deveriam ser desenhadas as alternativas de implementação de mudanças no marco regulatório e no regime fiscal. Isto poderia contribuir para eventualmente reduzir a amplitude das expectativas dos agentes quanto às mudanças que estão por vir. Como foi mencionado acima, o tema é novo, complexo e modificou as condições de contorno da indústria brasileira de petróleo e da própria economia brasileira. Não dá para sentar em cima do baú de interesses, assoviar e fingir que nada está acontecendo. O país necessitará de maturidade tecnológica, institucional e política para lidar com o melhor problema econômico que já teve nas mãos. Para isto terá que se preparar para as mudanças e eventuais rupturas. Isto não será nenhum pecado, tampouco original.
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ
As promissoras perspectivas do Brasil se tornar, na próxima década, um exportador líquido de petróleo a partir do desenvolvimento das jazidas encontradas na área do pré-sal, no pólo da Bacia de Santos, tiveram como principal conseqüência o início de um intenso debate sobre questões centrais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Evidentemente que o alcance e a dimensão do tema convidam para este debate, com toda razão, uma série de reflexões diferentes. Por um lado, a ampliação do interesse pelo tema é extremamente salutar. Por outro, é difícil não ocorrer o dilema da quantidade-qualidade: a multiplicação das opiniões veiculadas implica na necessidade de se filtrar adequadamente as análises criteriosas das defesas - legítimas - de interesses. E devemos recordar que este debate ainda se dá num regime de informação incompleta quanto aos volumes recuperáveis de petróleo e de gás e quanto à extensão e possível conexão de reservatórios nos diferentes blocos.
Importa destacar que o problema é novo e complexo. Apenas no pólo da Bacia de Santos, as primeiras estimativas permitem considerar, de forma conservadora, que o país passaria a deter reservas equivalentes às da Venezuela. A novidade e complexidade estão fundamentalmente associadas às formas pelas quais a União poderia exercer seus direitos constitucionais de propriedade das jazidas, nas áreas adjacentes aos blocos que já lograram sucesso.
O que parece consensual neste momento é que o regime atual de contratação, ancorado nos contratos de concessão, não fornece a segurança jurídica necessária aos diferentes operadores e à própria União, o que dificultaria a negociação e assinatura de um acordo de individualização da produção no pólo pré-sal da Bacia de Santos. A partir deste consenso, o embate de interesses e de idéias gira em torno de propostas que seriam centradas em i) mudanças marginais de adequação do marco legal, fiscal e regulatório; ou ii) alteração profunda do modelo vigente com a criação de novas instituições que pudessem dar conta da complexidade do problema.
A solução virá, como sempre, de um processo político negociado. Este é provavelmente o melhor problema que democracias que amadurecem podem ter. Trata-se de criar as condições para administrar a riqueza e não a escassez; e, além disso, permitir a construção de reflexões de longo prazo que transcendem o setor energético.
Por tais razões, independentemente do resultado do processo de negociação política, é essencial que o debate parta de premissas corretas. Neste sentido, acreditamos que o debate avançaria de forma mais objetiva se cinco pontos fossem considerados.
Primeiro, a taxação da renda petrolífera e dos derivados do petróleo se constitui, em todo mundo, uma fundamental fonte de arrecadação fiscal, inclusive nos países que são importadores líquidos. Desse modo, a direção correta do fluxo de recursos é da indústria para o Estado. Qualquer alternativa que vise inverter esta direção, fazendo com que o Estado e seus contribuintes injetassem recursos financeiros nos programas de investimentos, deveria ser descartada.
Segundo, a complementaridade entre empresas privadas e estatais, presentes ou potenciais entrantes, no setor, deveria ser preservada. A descoberta do pólo pré-sal é uma ilustração exemplar do resultado do processo de abertura que permitiu a formação de consórcios entre operadores que repartem riscos, custos e eventuais prêmios da exploração petrolífera.
Terceiro, as diretrizes governamentais deveriam buscar uma solução que minimize o tempo de desenvolvimento da produção. O pior dos mundos, na atual situação, seria a postergação da entrada em operação das novas jazidas decorrente de impasses jurídicos que prejudicassem o estabelecimento do acordo de individualização da produção. Isto significaria uma enorme perda financeira para as empresas e para o país, e poderia mergulhar o marco regulatório numa crise de credibilidade.
Quarto, com o país se tornando efetivamente exportador, o volume de receitas gerado implicará na necessidade de uma revisão cuidadosa dos mecanismos de controle social da indústria brasileira de petróleo e de gás. Isto passa pelo papel e missões da Petrobras na economia brasileira, bem como pelos critérios de arrecadação, repartição e uso das participações governamentais. Aqui, uma vez mais, será inevitável a negociação política entre as unidades da federação, empresas e União em torno da repartição da renda petrolífera.
Quinto e último, a sustentabilidade dos investimentos deve ser priorizada. Para tal, a decisão quanto ao ritmo de desenvolvimento da produção assume um caráter crucial. Neste primeiro momento, parece sensato não ir com toda sede ao pote. Se estiver correta a estimativa que, apenas no pólo pré-sal da bacia de Santos, seriam necessárias entre 40 e 50 plataformas, é possível afirmar que as restrições de capital, de equipamentos e de mão-de-obra qualificada tenderiam a encarecer sobremaneira os custos de produção. Além disso, a definição de um ritmo cadenciado de produção permitiria a incorporação, no tempo, dos benefícios advindos do processo de aprendizagem tecnológica, cujos desafios ainda são grandes. Ainda neste ponto, o escalonamento no tempo desse programa de investimentos tem impactos diretos na estrutura e nas modalidades de financiamento. Neste sentido, o desenvolvimento e a comercialização do petróleo e do gás das primeiras unidades de produção possibilitariam ampliar a capacidade de autofinanciamento das unidades seguintes, a partir da reinversão nos programas de investimento de uma parte das receitas da produção inicial do pré-sal.
Como visto, estas premissas são centrais e, a partir delas, é que deveriam ser desenhadas as alternativas de implementação de mudanças no marco regulatório e no regime fiscal. Isto poderia contribuir para eventualmente reduzir a amplitude das expectativas dos agentes quanto às mudanças que estão por vir. Como foi mencionado acima, o tema é novo, complexo e modificou as condições de contorno da indústria brasileira de petróleo e da própria economia brasileira. Não dá para sentar em cima do baú de interesses, assoviar e fingir que nada está acontecendo. O país necessitará de maturidade tecnológica, institucional e política para lidar com o melhor problema econômico que já teve nas mãos. Para isto terá que se preparar para as mudanças e eventuais rupturas. Isto não será nenhum pecado, tampouco original.
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