segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Debate Necessário sobre o Pré-Sal

Edmar de Almeida, Helder Queiroz e Ronaldo Bicalho
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ

As promissoras perspectivas do Brasil se tornar, na próxima década, um exportador líquido de petróleo a partir do desenvolvimento das jazidas encontradas na área do pré-sal, no pólo da Bacia de Santos, tiveram como principal conseqüência o início de um intenso debate sobre questões centrais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Evidentemente que o alcance e a dimensão do tema convidam para este debate, com toda razão, uma série de reflexões diferentes. Por um lado, a ampliação do interesse pelo tema é extremamente salutar. Por outro, é difícil não ocorrer o dilema da quantidade-qualidade: a multiplicação das opiniões veiculadas implica na necessidade de se filtrar adequadamente as análises criteriosas das defesas - legítimas - de interesses. E devemos recordar que este debate ainda se dá num regime de informação incompleta quanto aos volumes recuperáveis de petróleo e de gás e quanto à extensão e possível conexão de reservatórios nos diferentes blocos.

Importa destacar que o problema é novo e complexo. Apenas no pólo da Bacia de Santos, as primeiras estimativas permitem considerar, de forma conservadora, que o país passaria a deter reservas equivalentes às da Venezuela. A novidade e complexidade estão fundamentalmente associadas às formas pelas quais a União poderia exercer seus direitos constitucionais de propriedade das jazidas, nas áreas adjacentes aos blocos que já lograram sucesso.

O que parece consensual neste momento é que o regime atual de contratação, ancorado nos contratos de concessão, não fornece a segurança jurídica necessária aos diferentes operadores e à própria União, o que dificultaria a negociação e assinatura de um acordo de individualização da produção no pólo pré-sal da Bacia de Santos. A partir deste consenso, o embate de interesses e de idéias gira em torno de propostas que seriam centradas em i) mudanças marginais de adequação do marco legal, fiscal e regulatório; ou ii) alteração profunda do modelo vigente com a criação de novas instituições que pudessem dar conta da complexidade do problema.

A solução virá, como sempre, de um processo político negociado. Este é provavelmente o melhor problema que democracias que amadurecem podem ter. Trata-se de criar as condições para administrar a riqueza e não a escassez; e, além disso, permitir a construção de reflexões de longo prazo que transcendem o setor energético.

Por tais razões, independentemente do resultado do processo de negociação política, é essencial que o debate parta de premissas corretas. Neste sentido, acreditamos que o debate avançaria de forma mais objetiva se cinco pontos fossem considerados.

Primeiro, a taxação da renda petrolífera e dos derivados do petróleo se constitui, em todo mundo, uma fundamental fonte de arrecadação fiscal, inclusive nos países que são importadores líquidos. Desse modo, a direção correta do fluxo de recursos é da indústria para o Estado. Qualquer alternativa que vise inverter esta direção, fazendo com que o Estado e seus contribuintes injetassem recursos financeiros nos programas de investimentos, deveria ser descartada.

Segundo, a complementaridade entre empresas privadas e estatais, presentes ou potenciais entrantes, no setor, deveria ser preservada. A descoberta do pólo pré-sal é uma ilustração exemplar do resultado do processo de abertura que permitiu a formação de consórcios entre operadores que repartem riscos, custos e eventuais prêmios da exploração petrolífera.

Terceiro, as diretrizes governamentais deveriam buscar uma solução que minimize o tempo de desenvolvimento da produção. O pior dos mundos, na atual situação, seria a postergação da entrada em operação das novas jazidas decorrente de impasses jurídicos que prejudicassem o estabelecimento do acordo de individualização da produção. Isto significaria uma enorme perda financeira para as empresas e para o país, e poderia mergulhar o marco regulatório numa crise de credibilidade.

Quarto, com o país se tornando efetivamente exportador, o volume de receitas gerado implicará na necessidade de uma revisão cuidadosa dos mecanismos de controle social da indústria brasileira de petróleo e de gás. Isto passa pelo papel e missões da Petrobras na economia brasileira, bem como pelos critérios de arrecadação, repartição e uso das participações governamentais. Aqui, uma vez mais, será inevitável a negociação política entre as unidades da federação, empresas e União em torno da repartição da renda petrolífera.

Quinto e último, a sustentabilidade dos investimentos deve ser priorizada. Para tal, a decisão quanto ao ritmo de desenvolvimento da produção assume um caráter crucial. Neste primeiro momento, parece sensato não ir com toda sede ao pote. Se estiver correta a estimativa que, apenas no pólo pré-sal da bacia de Santos, seriam necessárias entre 40 e 50 plataformas, é possível afirmar que as restrições de capital, de equipamentos e de mão-de-obra qualificada tenderiam a encarecer sobremaneira os custos de produção. Além disso, a definição de um ritmo cadenciado de produção permitiria a incorporação, no tempo, dos benefícios advindos do processo de aprendizagem tecnológica, cujos desafios ainda são grandes. Ainda neste ponto, o escalonamento no tempo desse programa de investimentos tem impactos diretos na estrutura e nas modalidades de financiamento. Neste sentido, o desenvolvimento e a comercialização do petróleo e do gás das primeiras unidades de produção possibilitariam ampliar a capacidade de autofinanciamento das unidades seguintes, a partir da reinversão nos programas de investimento de uma parte das receitas da produção inicial do pré-sal.

Como visto, estas premissas são centrais e, a partir delas, é que deveriam ser desenhadas as alternativas de implementação de mudanças no marco regulatório e no regime fiscal. Isto poderia contribuir para eventualmente reduzir a amplitude das expectativas dos agentes quanto às mudanças que estão por vir. Como foi mencionado acima, o tema é novo, complexo e modificou as condições de contorno da indústria brasileira de petróleo e da própria economia brasileira. Não dá para sentar em cima do baú de interesses, assoviar e fingir que nada está acontecendo. O país necessitará de maturidade tecnológica, institucional e política para lidar com o melhor problema econômico que já teve nas mãos. Para isto terá que se preparar para as mudanças e eventuais rupturas. Isto não será nenhum pecado, tampouco original.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O Brasil irá contrair o mal holandês?

José A. Scaramucci, Diretor-Presidente da AB3E
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE)
Unicamp

Gostaria de voltar ao interessante tema trazido a esse espaço de discussão pelos colegas Edmilson dos Santos e Paul Poulallion: o paradoxo da abundância.

É conhecido que muitos países ricos em recursos naturais podem ser acometidos de uma nefasta doença. Congo, Nigéria, Venezuela e Bolívia, entre outros, são países freqüentemente citados como vítimas da chamada “maldição dos recursos naturais”, com sintomas que variam desde desempenho econômico decepcionante até falhas sérias das instituições. Os níveis de corrupção tendem a ser elevados. Como ilustrado por Jann Lay e Toman Omar Mahmoud, do Instituto Kiel de Economia Mundial, em “Bananas, Oil, and Development: Examining the Resource Curse and Its Transmission Channels by Resource Type” (Kiel Working Paper No. 1218, 2004):

Being confronted with criticism regarding corruption and plunder under the Marcos regime, Imelda Marcos, widow of the former Indonesian dictator, claimed that descriptions of her prodigious shoe collection were grossly exaggerated. ‘I did not have 3,000 pairs of shoes, I had 1,060’.

Mas outros países que têm nas exportações de recursos parte importante de suas economias conseguem se sair melhor. Exemplos são os Emirados Árabes Unidos – que devota boa parte das receitas de exportações em investimentos em infra-estrutura moderna e educação – e Botswana, que consegue traduzir as riquezas de seus diamantes em serviços de educação e crescimento econômico. Ambos esses países teriam conseguido transformar a maldição em bênção. A conferir.

E o Brasil, país tropical “abençoado por Deus e pela natureza”, estaríamos nós imunes?

O Brasil se prepara para se tornar importante ator global em energia. Os esforços para superar os choques do petróleo da década de 1970 levaram os setores agrícola e industrial da cana-de-açúcar do Brasil a experimentar um grande desenvolvimento tecnológico com enormes ganhos de produtividade. Um êxito inegável do Proálcool foi exatamente o de promover sinergias, aliando competências técnicas de importantes indústrias – automobilística, combustíveis e bens de capital – e instituições de pesquisa, sempre com o apoio continuado de organismos governamentais em diversas áreas – tecnologia, política industrial, planejamento energético, agricultura, entre outras –, para realizar uma das poucas iniciativas de inovação de alcance global já ocorridas no Brasil. Com investimentos pesados em tecnologia e sem economizar em prospecção, a Petrobras se mantém no mundo todo como símbolo de boa gestão, uma exceção entre as chamadas empresas nacionais de petróleo. E agora não se fala outra coisa senão sobre as recentes descobertas do subsal, que aqui no Brasil recebeu o equivocado título de “pré-sal” – equivocado, ao meu ver, pois coloca a questão das descobertas sob o ponto de vista do próprio petróleo ao invés de manter a perspectiva da sociedade brasileira, essa sim situada sobre as águas, no pré-sal. Mas isso é outra história.

Gostaria de fazer um recorte – afinal, blogs nada mais são que uma coleção de recortes – sobre o caso dos biocombustíveis. Em recente trabalho com colegas do Centro de Estudos de Políticas (CoPS) da Universidade de Monash, Austrália, usamos um modelo computável de equilíbrio geral para quantificar e decompor os impactos econômicos da ampliação em larga escala da produção de etanol no Brasil. Bem antes da polêmica envolvendo biocombustíveis e segurança alimentar ter ganho tanto interesse nos meios de comunicação, queríamos entender se o crescimento expressivo das vendas de álcool carburante – para usar um termo antigo – poderia comprometer a produção de alimentos a longo prazo no Brasil. Outra questão era: dá na mesma usar o álcool no mercado interno ou os efeitos seriam diferentes se ele é exportado? Usamos como referência para as simulações um cenário proposto pela Unica a respeito do uso doméstico e exportações de etanol em 2020. As conclusões são interessantes, às vezes até surpreendentes.

O debate sobre a indústria de etanol no Brasil tem colocado excessiva ênfase nas possibilidades de exportação. Entretanto, as simulações sugerem que será a demanda doméstica a influência determinante na economia brasileira, ao menos até 2020. A razão para isso é simples. As exportações de etanol correspondem a uma fração muito pequena do produto brasileiro. Além disso, o comércio exterior representa pouco – apenas cerca de 8% do PIB do Brasil. Por outro lado, fazer previsões sobre o mercado de etanol implica avaliar também o que será feito da gasolina que eventualmente irá sobrar. Isso nem sempre é feito, embora possa parecer óbvio. Obviamente, a gasolina excedente irá ser exportada e isso terá impactos econômicos. As simulações indicam que essa espécie de efeito indireto do mal holandês será muito mais importante que as mudanças estruturais trazidas pelas exportações de etanol.

Tornou-se comum recentemente atribuir aos biocombustíveis o papel de vilão pelo desmatamento. Mas a conversão da terra usada em outras atividades agropecuárias seria bem pequena – menos que 2% –para acomodar a expansão da produção de etanol prevista pela Unica (65,3 bilhões de litros de álcool combustível seriam produzidos em 2020).

Os impactos causados por mudanças no uso da terra são mais diretos e, portanto, mais fáceis de entender. Mais áreas agriculturáveis passam a ser ocupadas com cana-de-açúcar, causando um aumento nos preços da terra e, por conseqüência, nos custos de produção dos setores que produzem alimentos. Portanto, ocorre uma diminuição na oferta de alimentos.

Mas a apreciação da moeda brasileira afetará a produção de alimentos tanto quanto as mudanças no uso da terra. A cadeia de causalidade funciona assim. Quando o Brasil passa a exportar um grande volume de gasolina sob condições de demanda perfeitamente elástica (pode-se supor que o Brasil pré-pré-sal não seria capaz de influenciar os preços internacionais dos combustíveis fósseis), então é possível reduzir as exportações de outras coisas que têm maior poder de mercado. Isso significa um aumento nos termos de troca e a conseqüente apreciação da taxa real de câmbio. Setores econômicos expostos ao comércio internacional – que produzem os chamados bens transacionáveis (tradables), alimentos, inclusive – tendem a se retrair. Esse é o efeito do mal holandês.

O uso de um modelo computável de equilíbrio geral para analisar mudanças estruturais é conveniente, pois permite, entre outras coisas, decompor os impactos das diversas forças atuando ao mesmo tempo em todo o sistema econômico. Nesse caso, as simulações mostram que as mudanças do uso da terra e do mal holandês têm aproximadamente o mesmo efeito na oferta de alimentos.

Os detalhes do estudo podem ser encontrados em http://www.monash.edu.au/policy/ftp/workpapr/g-169.pdf.

Volto futuramente para discutir os impactos regionais. Cabe já adiantar que alguns estados – como o Rio de Janeiro – irão perder com a substituição em ampla escala de gasolina por etanol no mercado doméstico.


sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Um novo maná ?

Mario O. Cencig (cencig@unicamp.br)
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE)
Unicamp

Achei muito interessantes as análises sobre os recursos pré-sal de petróleo e queria contribuir olhando a questão de um outro ângulo, resumindo o paper Peak Oil in Brazil: an Attempt, que apresentei em junho deste ano na conferência ECOS 2008, realizada na cidade de Krakow, na Polônia [1].

A idéia básica é que um recurso natural “finito” tem hora para acabar, ainda que não se conheça qual é essa hora, já que a sua continua utilização vai provocar (mais dia menos dia) seu esgotamento. Este é o caso dos combustíveis fósseis, particularmente do petróleo e do gás natural, pilares do suprimento energético mundial, motivo pelo qual a pergunta “quanto petróleo e gás natural nós temos?” está no centro das preocupações de inúmeros governos, empresas, organizações e centros de pesquisa no mundo todo, e cuja resposta depende de quanto petróleo nós sejamos capazes de achar e extrair, e da velocidade com que o consumimos (obviamente não levo em conta a sua velocidade de formação).

Esta questão vem sendo estudada de maneira mais sistemática há quase meio século, sendo pioneiro o trabalho de Hubbert [2] sobre os campos petrolíferos de EUA nos anos 60-70, quem elaborou o conceito de peak oil (ou pico na produção de petróleo) e “acertou na mosca” na sua aplicação aos 48 campos de petróleo do país, prevendo que esses picos aconteceriam em 1970 para o petróleo e em 1973 para o gás natural. Esses estudos foram retomados por Campbell [3] nos anos 90 e atualmente há (pelo menos) uma dúzia de ASPO (Association for the Study of Pek Oil) em diferentes países acompanhando essa questão [4, 5].

O “ciclo vital” de um recurso finito apresenta uma etapa inicial na qual as atividades tomam corpo de maneira tímida, se consolidam e crescem rapidamente em função dos benefícios que oferece a sua utilização, passam pelo seu auge (a “época de ouro”) e entram em declínio assim que as dificuldades técnicas e econômicas para sua exploração aumentam (refletindo o seu “esgotamento”), isto é, a relação custo/benefício se torna cada vez mais desfavorável. A tradução matemática deste comportamento é a curva sigmóide para a produção acumulada, e a curva tipo gaussiana para a velocidade de produção, na qual aparece o pico ilustrado que indica o momento em que mais ou menos a metade dos recursos já foi aproveitada (metade da área embaixo da curva).


Os dados da PETROBRAS [6] registram uma produção de petróleo que parte de 2.662,9 barris/dia em 1954 (971.958 barris/ano) e atinge 1,72 milhão barris/dia (unos 629,1 milhões barris/ano) em 2006, totalizando de lá para cá uma produção acumulada de uns 8,9 bilhões de barris (mais precisamente 8.902.630.786 barris de petróleo) até dezembro de 2006, segundo o BEN 2007. Em agosto de 2008 a produção no país foi de 1,88 milhão barris/dia de petróleo e 52,7 milhões m3/dia de gás natural.

Por outro lado, o Balanço informa que na mesma data, as reservas de petróleo “medidas-inventariadas-provadas” são de 12,2 bilhões de barris (12.155.599.244 barris) e as reservas “estimadas-inferidas” são de 6 bilhões de barris (5.980.446.997 barris), totalizando 18,2 bilhões de barris de petróleo.

As estimativas para o Brasil publicadas [7] referem-se à relação “Reservas/produção” (R/P) e indicam um valor atual de 19-20 anos, em decréscimo para os próximos anos.

Obviamente, depois das recentes descobertas do pré-sal em Tupi (6-8 bi), Júpiter (6-8 bi), Carioca (25-40 bi), Guará,... a situação mudou [8, 9], e as estimativas apontam a possibilidade de uns 50 bilhões de barris de petróleo, com informações de que a produção da Petrobrás na área de pré-sal poderia atingir 1,26 milhão barris/dia de petróleo e 53 milhões m3 de gás natural para 2017. Isto é, Brasil passaria a fazer parte do grupo dos grandes produtores de petróleo e tornar-se-ia um exportador do mesmo.

Assim, com um modelo simples foram construídos vários cenários utilizando a expressão onde

P = Po exp (– Y²), onde: Y = ( n – no )/α

sendo P o valor da produção anual (velocidade de produção, em barris/ano) para o ano n, no o ano em que acontece o máximo dessa produção, Po o valor máximo e α um parâmetro de ajuste da curva.


A figura ilustra os cenários, mostrando como na medida que a quantidade das reservas (área embaixo da curva) aumenta, o ano de pico se desloca para direita e o pico de produção sobe, assim como o fim da curva (o ano em que “acabaria o petróleo”) se desloca para direita. A tabela traz os valores calculados para cada situação imaginada.



Como informação adicional, a capacidade instalada de refino das 11 refinarias da Petrobrás que operam no país é de 1.986.000 barris/dia, sendo que em 2006 foram processados 1.746.000 barris/dia, indicando um fator de utilização de 87,9%; considerando as 5 refinarias da Petrobrás no exterior (duas na Argentina, duas na Bolívia, e uma nos EUA), a capacidade instalada vai para 2.227.000 barris/dia e o volume processado em 2006 foi de 1.940.000 barris/dia (um fator de utilização de 87,1%). Como é previsível (num cenário mais corriqueiro) que a demanda de derivados de petróleo continue aumentando e, também, que seja mantido o objetivo da auto-suficiência, haverá que aumentar a capacidade instalada, mais ainda se a proposta fosse exportar também derivados, além do petróleo.

É óbvio que a evolução efetiva da produção/processamento nos próximos anos depende de decisões político-institucionais que levarão em consideração aspectos técnicos, econômicos e geopolíticos, conforme a visão estratégica que foi/é/será planejada para a inserção do país no cenário internacional.

REFERÊNCIAS

[1] CENCIG, M.O, Peak oil in Brazil: an attempt, Proceedings ECOS 2008 – 21st International Conference on Efficiency, Cost, Optimization, Simulation and Environmental Impact of Energy Systems, June 24-27, 2008, Kraków, Polônia, Volume 3 (1349-55).

[2] HUBBERT, M.K. Nuclear Energy and the Fossil Fuels, presented before the Spring Meeting of the Southern District, American Petroleum Institute, Plaza Hotel, San Antonio, Texas, March 7-8-9, 1956.

[3] CAMPBELL, C.J. The imminent peak of world oil production, presentation to a House of Commons All-Party Committee on July 7th, 1999, presentation available for download at www.hubbertpeak.com/campbell/commons.htm, accessed on 5/12/2007.

[4] ASPO (Association for the Study of Peak Oil & Gas), site www.peakoil.net.

[5] HUTTER, F. Peak Oil Depletion & Energy Issues, available at www.trendlines.ca/energy.htm, accessed on 5/12/2007.

[6] Ministry of Mines and Energy / EPE. Brazilian Energy Balance 2007, Rio de Janeiro, Brazil, 60 pages, 2007.

[7] Ministry of Mines and Energy / EPE, Ten-Year Energy Expansion Plan 2007/2016, Brasília, December 2007.

[8] Informação publicada pela Agência de Notícias da Petrobrás em 11/08/2007. Disponível em www.agenciapetrobrasdenoticias.com.br/en_materia.asp?id_editoria=8&id_noticia=4042, acessada em 5/12/2007.

[9] BERMAN, A. What’s new in exploration, WorldOil Magazine, Feb 2008.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Um panorama sobre os desafios da energia

Edmar L. F. de Almeida (edmar@ie.ufrj.br) e Ronaldo Bicalho (bicalho@ie.ufrj.br)
Grupo de Economia da Energia (GEE)
Instituto de Economia, UFRJ

O professor João Lizardo de Araujo dedicou mais de quarenta anos ao ensino e a pesquisa, a maior parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro – inicialmente na COPPE e depois no Instituto de Economia – e sobre o tema energia.

Pouco tempo antes de falecer, já como diretor do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (CEPEL) da Eletrobrás, João Lizardo deu uma longa entrevista ao Jornal da UFRJ, de junho de 2008, na qual traçou um amplo panorama sobre os grandes temas envolvendo a energia no Brasil e no mundo.

O aquecimento global e as energias limpas

É uma questão ampla, mas um dos entraves passa pela razão do custo. Com exceção da hidrelétrica, as energias limpas ainda são caras, embora os preços estejam caindo. Por exemplo, a energia fotovoltaica (solar), que já está bem desenvolvida é, recorrentemente, anunciada pela indústria como futura competidora com as outras. Durante todo o tempo eles dizem que daqui a cinco anos isto vai acontecer, e nunca acontece. Nos Estados Unidos, lugar mais barato para a compra desta energia, se paga cerca de 200 dólares por um Megawatt-hora (MW/hora). Na Europa, este valor gira entre 300 e 700 dólares. Outro ponto, é que se baseou todo um esquema produtivo montado sobre os combustíveis fósseis. É uma acumulação histórica, não será fácil esta conversão para outras fontes. Mesmo na Europa houve uma inversão com o sistema rodoviário predominando sobre o transporte ferroviário.

Biocombustíveis e segurança alimentar

O biocombustível dos Estados Unidos é o responsável pela alta nos preços dos alimentos no mercado mundial. Eles produzem etanol a partir do milho, em uma cadeia intensiva e com a utilização de toneladas e toneladas de uma matéria-prima originalmente destinada ao consumo humano e à ração animal. O que houve foi que o biocombustível brasileiro tornou-se vítima de uma contaminação internacional. Mas, no momento em que misturam indiscriminadamente todos os biocombustíveis, há uma pressão para o favorecimento de combustíveis fósseis. No Brasil, o que pode funcionar são os biocombustíveis, mas para o resto do mundo é complicado. Em nações com pouco território, isto pode significar um erro. Somos um raro caso, pois temos áreas disponíveis para plantações de cana-de-açúcar, sem forçar a elevação dos preços dos alimentos.

O papel da conscientização da população

O mais preocupante é exatamente o problema do aquecimento global. Precisamos atacar este perigo e resolvê-lo. As campanhas podem ser úteis para conscientizar, mas precisam vir junto com políticas de pesquisa e desenvolvimento e de eficientização, ou seja, melhor conservação de energia. Neste ponto, também precisamos caminhar sobre duas pernas, estimulando a introdução de tecnologias mais eficientes junto com a conscientização da população.

A exploração da Amazônia

Este tema me toca, pois sou amazonense, tenho uma relação afetiva com a floresta e a água. O meu pai era diretor de uma escola agrícola a 11 km de Manaus (AM), onde passava férias numa infância idílica, com direito a mergulhos no rio Negro. Vim embora aos 14 anos e nunca mais retornei para guardar as boas memórias, mas o que li em relatórios e no livro de Milton Hatoum Cinzas do Norte, (Companhia das Letras, 2005), que narra o que aconteceu com os arredores de Manaus por conta da implantação da Zona Franca, já me agonizaram e horrorizaram o suficiente. Agora, assusta-me a concepção de preservação como uma redoma. Por esta idéia é como se fossemos manter na pobreza uma enorme parte da população. Acredito em sustentabilidade, que pode ser equacionada com muita vontade e trabalho, além de enorme esforço de pensamento e ação.

Sustentabilidade e exploração irracional de recursos

Toda palavra pode ser mal usada e qualquer termo, por mais bonito que seja, pode esconder uma prática diferente do discurso. É o caso da responsabilidade social que se tornou um jargão na linguagem empresarial, mas que se encontra longe de ser uma ampla realidade. Apesar disso tudo, sustentabilidade ainda permanece como um conceito importante e não se pode perdê-lo do horizonte.

As hidrelétricas da Amazônia

Vai haver impacto sempre, seja qual for o tipo de fonte de energia. Na Amazônia é viável a construção de hidrelétricas que, com melhores desenhos (arquitetura), podem oferecer menos danos. Hoje, elas podem ser bem planejadas e geridas com a adoção de medidas para oferecer o mínimo impacto. Nos Estados Unidos, há pesquisas para desenho, em usinas de baixa queda, das chamadas “turbinas amigáveis” que não colocam em risco a vida dos peixes, pois não são de alta rotação. As hidrelétricas são fonte mais barata de energia. No Brasil, 1 MW/h custa entre 25 e 45 dólares e quem tem o maior potencial dessa fonte são países em desenvolvimento. Nosso país, por exemplo, aproveitou apenas 28% desta capacidade e o continente africano 7%, somente.

As resistências à construção das novas hidrelétricas

Se o Brasil não construir essas hidrelétricas, teremos mais centrais térmicas a carvão, que são mais poluentes, e ainda pagaremos muito mais caro pela energia. Não vejo riscos de um novo apagão, o que há hoje é uma enorme dificuldade para se tocar projetos de energia. A questão do licenciamento vem melhorando, porém, ainda faltam critérios mais claros. Além disto, qualquer obra pode ser embargada indefinidamente pela Justiça. Principalmente o Ministério Público deveria ter um sistema mais criterioso para fazer estes pedidos. Não sei o que há, mas as pessoas estão açodadas por uma febre de embargos, alguns inclusive sem base técnica. Chegou a um ponto que queriam impedir até um parque de energia eólica (ventos) no Ceará, felizmente, a justiça negou o pedido. A impressão é que param tudo e depois se lembram de pedir os laudos. Afinal, em regra, antes de se iniciar uma obra já foram feitos muitos estudos e análises. Quanto à questão indígena, é preciso uma compensação. Há uma experiência no Canadá, onde os índios recebem parte da receita gerada pelas hidrelétricas. Em nenhum lugar do mundo, o território é tão exclusivo como aqui no Brasil.

A diversidade energética brasileira

No momento, o país não pode descartar nenhuma fonte de energia. O ideal é que se atue em um sistema. No litoral do Nordeste, há os ventos alíseos que são constantes e oferecem um padrão fora-de-série à energia eólica. No chamado Polígono das Secas, existe um fantástico potencial para energia solar. Na Região Norte, as hidrelétricas de baixa queda. No Centro-oeste, os biocombustíveis. No Sudeste, o petróleo enquanto existir. No Sul, as termelétricas de carvão, que não deveríamos usar por emitirem CO2, e a eólica que nesta área está sujeita a surtos e paradas repentinas dos ventos, mas ainda assim são importantes como capacidade complementar em um sistema. Enfim, temos condições naturais favoráveis, mas enormes desafios tecnológicos pela frente. Um deles, a criação de métodos mais eficazes para a previsão de ventos. Esta é uma área que ainda engatinha em todo o mundo.

A energia nuclear

Não pode ser prioritária, mas também é uma opção útil e não pode ser descartada, especialmente porque temos muito urânio disponível. Os argumentos técnicos apresentados em favor da energia nuclear apresentam fundamentos. Os novos desenhos procuram ser mais seguros e eficientes. Contudo, a questão dos resíduos ainda “pega” e a operação dessas usinas necessita de equipes muito bem preparadas. Foi por um erro operacional que aconteceu a tragédia de Chernobyl (acidente nuclear, em 1986, na antiga União Soviética que expôs mais de oito milhões de pessoas à radiação). Por outro lado a França, que possui diversas usinas, nunca teve qualquer problema. É preciso ter um leque de opções e a nuclear também está entre as energias que poderão funcionar complementarmente.

Os Estados Unidos e o aquecimento global

Nesta luta contra o aquecimento global, ainda falta o engajamento dos Estados Unidos. O atual presidente, George W. Bush, simplesmente não quis saber da questão do meio ambiente. Como o mandato dele está terminando, quem sabe isso não vá se reverter no futuro. Numa possível eleição de Barack Obama, talvez as chances de mudança sejam maiores. Eles deveriam acabar com o etanol baseado no milho, passando a produzir biocombustível a partir de resíduos de celulose.

As metas de redução das emissões

Estamos longe de alcançá-las e, além de fontes limpas e renováveis, precisamos resolver dois pontos chaves: reduzir o consumo de energia e investir na captura e armazenamento do carbono através de filtros que retenham os gases que provocam o efeito estufa, levando-os para depósitos subterrâneos. As usinas de carvão precisam adotar estes mecanismos. A China, por exemplo, consome carvão em larga escala e está ambientalmente uma “droga”, inclusive já ultrapassou os EUA como maior poluidor mundial. O seu caso é até compreensível, porque existe uma enorme parte da população na pobreza e o país precisa crescer. Agora, se os EUA adotam medidas para reduzir os gases do efeito estufa, os chineses vão se sentir constrangidos e talvez possam participar desta luta global. Mais difícil do que investir e desenvolver tecnologia é conter a expansão de carros e caminhões. Não podemos caminhar mais para o modelo tradicional de um automóvel para cada habitante do mundo. Se a gente continuar nesse crescimento, e com este estilo de vida, não sei se haverá saída. Não há solução geral. Quando se fala, na área de energia, em médio prazo, isso representa várias décadas.

O futuro

A Terra recebe uma radiação solar que equivale dez mil vezes ao atual consumo de energia da humanidade. Há potencial energético e, mais à frente, daqui a um século, vislumbro a expansão da energia solar como fonte predominante, com todos os veículos sendo movidos a hidrogênio. Podemos ter esperança desde que não aconteçam políticas equivocadas pelo meio do caminho.

A cobrança pela mudança no marco legal do petróleo

A descoberta do pré-sal mudou totalmente a posição da Petrobras. O valor da empresa saltou da 14ª colocação para as primeiras posições no mercado. O cenário era diferente do atual e vejo esta cobrança como legítima.

As agências reguladoras

Elas funcionam razoavelmente e necessitam de constante supervisão para atuaram direito. Essa idéia de que elas precisam ser totalmente independentes é uma concepção neoliberal, lá do Consenso de Washington (conjunto de medidas econômicas ditadas, em 1989, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial). As agências podem ter autonomia, mas não podem se desvincular da política energética de governo. No setor elétrico, de vez em quando surgem denúncias de influência governamental, mas se observarmos de perto, percebe-se que, na maioria das vezes, são ações para baixar tarifas que haviam sido aumentadas em excesso.

A dependência dos Royalties

Não garantem vida longa, embora o petróleo ainda deva existir por décadas. Se os municípios não se prepararem para as “vacas magras”, vai acontecer o que ocorreu no século XIX, com as cidades do Vale do Paraíba, no Sul fluminense, quando o ciclo econômico do café ruiu e junto com ele inúmeras cidades.

As pesquisas do Cepel

O Cepel é o maior centro de pesquisas elétricas da América Latina. É mantido basicamente pelo Sistema Eletrobrás e dá atenção às suas necessidades. Mas seus trabalhos beneficiam todo o setor elétrico brasileiro. Há várias pesquisas em andamento. Um exemplo são os medidores eletrônicos centralizados, com patente internacional do Cepel, fabricados pela Siemens sob licença e adotados pela Ampla Energia e Serviços S.A. Quanto às pesquisas em desenvolvimento, estamos implantando um Laboratório de Ultra-altas Tensões, com financiamento da Agência Financiadora de Projetos (Finep) e da Eletrobrás, para o desenho das linhas de transmissão da Amazônia, em que deveremos ter várias colaborações com a universidade. Ainda em hardware, participamos de uma pesquisa cooperativa acerca de células a combustível usando etanol. Em software, há três destaques: planejamento (energético de longo prazo, operação energética em médio e curto prazo), operação elétrica e controle do sistema. Em planejamento de longo prazo há o MELP (Modelo da Expansão da Geração de Energia Elétrica em Longo Prazo), utilizado pela EPE (Empresa de Planejamento Energético) e pelo Ministério de Minas e Energia (MME) na elaboração do Plano 2030. No planejamento da operação há a família Newave, hoje em sua 13ª versão, todas validadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e usada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e pelo MME. Esta se mantém na fronteira do conhecimento graças a constantes interações com as universidades, nacionais e internacionais. Na operação elétrica, o Brasil pode orgulhar-se de ser o único país em desenvolvimento a ter uma cadeia completa de software para operação, análise da estabilidade e recomposição do sistema de nível internacional, inclusive com vendas e licenciamentos para países do Primeiro Mundo; aqui, também, mantemos constante colaboração com a universidade. Finalmente, no que diz respeito ao controle, o Cepel desenvolveu o Sage (Sistema Aberto de Gerenciamento de Energia), que permitiu ao setor elétrico brasileiro libertar-se dos pacotes de vendedores de equipamentos; trata-se de um sistema aberto, flexível e modular que está em permanente evolução.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Ainda abaixo do sal

Felipe Augusto Dias (fdias@ibp.org.br)
Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP)

Em momento de escassa originalidade, trago a este fórum mais algumas reflexões sobre o nosso bem e mal dos últimos tempos, as recentes descobertas do pré-sal. Antes de mais nada, estendo a mão à preocupação trazida pelos colegas Edmilson e Paul no que concerne aos danosos efeitos que a concentração econômica em torno de grandes dotações de um recurso natural pode causar. O fenômeno conhecido por Doença Holandesa refere-se, essencialmente, à forte apreciação cambial que advém das exportações do setor dominante, afetando a competitividade dos demais setores da economia. Mas vamos deixar este tema, essencialmente macroeconômico, para um outro momento.

Neste momento, volto à questão do modelo de regulação; do modelo de exploração desta riqueza que será adotado pelo Estado brasileiro. Alguns desdobramentos recentes desta discussão, como a possível criação de uma nova estatal e o encantamento com o modelo norueguês, têm sido de difícil entendimento. O país de uma pequena população com alto índice de desenvolvimento humano e de reconhecida maturidade institucional enfrenta dificuldades com a operação de um sistema de tal ordem discricionário. Contratos com empresas privadas são negociados caso a caso, em salas fechadas, para que o Estado obtenha o melhor resultado possível com a exploração dos recursos. Estaria garantido, no mínimo, o sucesso da imprensa.

Mas o tema que me ocorre é a já velha discussão sobre a propriedade do óleo produzido. A criação de uma nova estatal, que representaria os interesses do Estado em contratos de partilha da produção, expressa, acima de tudo, um entendimento de que os atuais contratos de concessão cometem o pecado capital de entregar ao operador e seus sócios a propriedade do recurso extraído. Parece chover no molhado, mas de fato interessa ao governo apropriar-se da máxima parcela da renda produzida que não inviabilize o negócio. E, indo além, aplicar adequadamente estes recursos.

A garantia de contar com o óleo necessário para atender à estratégia de tornar-se um exportador de derivados, a partir de refinarias Premium em plataformas de exportação no Nordeste do país, pode ser equacionada de diferentes maneiras. Parece uma forma encontrada ao longo da viagem para justificar uma idéia pré-definida. A recorrente história do rabo que balança o cachorro.

Me pergunto então que razões nos trazem de volta a esta questão. Que razões outras que os velhos vícios estatizantes, protecionistas, e a incapacidade de compreender o papel do setor público. Ou melhor, pergunto a vocês...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Reservas do Pré-sal... Uma maldição para o Brasil? (1ª Parte)

Edmilson Moutinho dos Santos (edsantos@iee.usp.br)
Instituto de Energia e Eletrotécnica, USP

Paul Poulallion (ppoulallion@sinde.com.br)
SINDE - Sinergia e Desenvolvimento Ltda.

Revisitando o tema da Síndrome Holandesa para o Brasil Pós-pré-sal

Devido ao súbito acesso a enormes riquezas naturais, muitos países são submetidos à chamada Síndrome (ou Doença) Holandesa. Tal conceito foi reconhecido pela revista “The ECONOMIST” em 1977, analisando os sintomas de uma crise econômica estrutural que ocorria no Reino Unido após o aumento dos preços do petróleo de 1973 e as descobertas de petróleo e gás natural no Mar do Norte. O economista Lauro Vieira de Faria, da FGV-RJ, publicou um estudo desse fenômeno inglês na revista “Conjuntura Econômica” da FGV, em agosto de 1984, no caderno “Perspectivas Internacionais”, com o titulo “Quando a riqueza atrapalha”. Neste trabalho, o autor procurou demonstrar que o colapso da produção industrial e do emprego na Grã Bretanha dos anos 1970 esteve diretamente relacionado aos efeitos da produção offshore de petróleo. Tal situação conduziu ao profundo processo de reestruturação econômica introduzido posteriormente pelo governo conservador de Thatcher.

Alguns economistas tais como Gregory, em 1976, W. Max Corden, 1982 e J. Peter Neary, ??, desenvolveram trabalhos procurando melhor compreender o fenômeno da Síndrome Holandesa (e tentar propor remédios para ele). Trata-se do chamado “paradoxo da riqueza”, isto é, um conjunto de efeitos negativos gerados pela expansão de um setor econômico dominante, quase sempre associado à produção de uma riqueza natural, que conduz à contração, e até mesmo a destruição, dos demais setores de produção de bens intercambiáveis. O petróleo tem sido o principal foco de investigações (como as de Collier e Hoffler, 2002).

A Doença Holandesa resulta entre outros da concentração financeira e do poder que um único setor, ou uma única região, em detrimento do resto do país, tem de atrair as capacidades gerenciais, de trabalhadores formados e, sobretudo, da alta inteligência disponível na comunidade nacional. Tais recursos de difícil multiplicação tornam-se escassos e seu acesso torna-se mais difícil para os demais setores da economia. Tal situação quase sempre conduz a perdas de produtividade e competitividade para esses setores e o país torna-se cada vez mais dependente do sucesso do setor dominante.

Além disso, o setor dominante precisa ser financiado antes de poder gerar riquezas. Em países onde tal financiamento não pode ser realizado através de poupança interna, torna-se necessário promover um grande afluxo de investimentos externos. A moeda doméstica tende a apreciar-se em relação às moedas externas e a taxa de câmbio torna-se desfavorável para a atração de novos investimentos ou a promoção de exportações dos demais setores da economia. Por fim, o setor dominante adquire um papel tão central para o futuro econômico, social e político da nação, que seu maior controle pelo Estado torna-se inevitável. Assim, o próprio setor dominante gradualmente contamina-se pela força destrutiva da maior intervenção estatal, além de perder transparência e passar a ser o principal foco de corrupção.

Assim, a Síndrome Holandesa, em um viés puramente econômico, pode ser explicada pela ação conjunta de dois efeitos muito significativos:
  • Efeito movimentação de recursos: o boom no setor extrativista eleva a produtividade dos fatores lá empregados, drenando recursos de outros setores da economia.
  • Efeito-despesa: a elevação da renda real e a maior obtenção de divisas valorizam o câmbio resultando em diminuição das exportações tradicionais e aumento de importações.
Como resultado:
  1. A produção e o emprego crescem no setor extrativista e decrescem nos setores manufatureiros tradicionais;
  2. Os preços dos bens não transacionáveis no exterior crescem em relação aos dos transacionáveis;
  3. Aumenta o salário real, medido em termos dos bens transacionáveis.
O Mal Holandês que alguns países experimentam acidentalmente e por um período reduzido de tempo, infelizmente parece ser uma endemia no Brasil. Devido a suas riquezas naturais, o Brasil parece permanentemente submisso aos efeitos da Síndrome Holandesa. Assim foram as eras do Ouro (Ouro Preto), do café (São Paulo), da borracha (Manaus), do aproveitamento das águas através da construção de grandes barragens (com destaque para Itaipu e Tucuruí), dos minerais (Carajás) da agropecuária (sul e centro), do petróleo (Rio de Janeiro), da bioenergia (centro alcooleiro), e de tantos outros que nos parecem reservados no futuro.

Lauro Vieira de Faria apresentou em seminário da ENERJ, no Rio de Janeiro, em 2006, um estudo denominado “Energia e Recursos Naturais: Produzir ou Consumir?”. Nesse estudo, o autor compara o desempenho econômico do estado do Rio de Janeiro em relação ao do Brasil. Para diferentes cenários de preço do petróleo, o RJ quase sempre desempenha pior do que o resto do Brasil. A única exceção ocorre nos períodos de grande elevação do preço do petróleo. Nesses casos, a produção de óleo impulsiona o crescimento econômico. Tais conclusões parecem evidenciar-se através de diversas publicações em jornais que mostram dados comparativos de desenvolvimento humano entre os municípios do estado do Rio de Janeiro e de outras regiões do Brasil (vide, por exemplo: O Globo de 20 de novembro de 2005, “Petróleo cria pobres municípios ricos no Rio”).

Em resumo, análises objetivas da historia do Brasil mostram que o país sempre esteve muito vulnerável aos efeitos da Síndrome Holandesa, assim como aconteceu em outros países como a Holanda, a Grã Bretanha, a Austrália, a Espanha e a Nigéria, bem como diversos países africanos. Parece tratar-se de uma endemia com as marcas permanentes no Brasil:
  • Variação da taxa de câmbio; volatilidade dos termos de trocas, desvalorização ou apreciação da moeda nacional;
  • Destruição das estruturas de produção; desindustrialização; perdas de competitividade por manque de acesso às tecnologias novas;
  • Degradação dos sistemas de educação, saneamento básico, saúde, habitação popular;
  • Degradação das infra-estruturas, estradas, ferrovias, portos, hidrovias;
  • Baixa qualidade das instituições; corrupção, violência, marginalização de sectores da população.
Dentro desse quadro, convidamos os amigos leitores a refletirem sobre o tema do nosso título, ou seja: RESERVAS DO PRESAL... UMA MALDIÇÃO PARA O BRASIL?

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Quanto “crescer”?

Mario O. Cencig (cencig@unicamp.br)
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE)
Unicamp

Nestes tempos ‘quantitativos’ de “assegurar o crescimento do PIB”, “exportar mais”, “vender mais automóveis”, etc., essa parece uma questão esdrúxula, e mais ainda quando a maioria das pessoas sofre com importantes carências econômicas, sociais, culturais, etc. Mas, como planejadores, é um bom exercício nos colocarmos essas ‘provocações’, entre outras, e re-pensar algumas coisas que parecem óbvias a fim de refletir sobre os rumos de nossa sociedade.

O ser humano é uma espécie relativamente nova no planeta, nossa aparição e posterior processo evolutivo se remonta a algo em torno de um milhão de anos atrás (uns 150 mil anos se considerarmos o homo sapiens), em uma Terra que tem mais ou menos uns 4,5 bilhões de anos de idade.

Começamos em algum ponto da África como pequenos bandos nômades, comendo aquilo que tínhamos “a mão”, e chegamos a pouco mais de 6,7 bilhões de pessoas espalhadas por todos os cantos do planeta, nos alimentando e utilizando uma grande quantidade e variedade de materiais e energia. Isto pode ser ilustrado com as curvas do gráfico a seguir.


Observa-se que a taxa de crescimento do consumo de energia tem sido maior que a do aumento da população, o que quer dizer que estamos cada vez mais vorazes com relação à utilização desses recursos. Assim, passamos de 0,67 TEP/per capita em 1890, para 1,30 TEP/per capita em 1950, e para 2,48 TEP/per capita em 1990.

Como foi que isso aconteceu? Bem, no inicio o nosso consumo de energia foi na alimentação, basicamente aquelas 2.000 kcal diárias; depois, veio o uso do fogo (provavelmente biomassa em várias formas) para nos aquecer, cozinhar e afugentar as feras; mais recentemente, uns 10 mil anos atrás, com o assentamento das sociedades agrícolas em locais fixos, acrescentou-se como um item importante o uso de energia para as atividades de produção, e lá pelos séculos X-XII para as de transporte, quando a troca de produtos entre comunidades vizinhas se tornou mais relevante.

A primeira resposta perante esse fato seria “é o progresso”. Isto é, a família agora ‘consome mais energia’ porque antes não tinha geladeira e agora comprou uma, ou tinha um carro e agora tem dois, ou colocou ar condicionado em todos os cômodos da casa, etc.

Assim, progresso seria sinônimo de bem-estar, a tendência natural do ser humano iria no sentido do progresso, o progresso implica maior consumo, isso seria inevitável e os problemas que houver (e os há) já veremos como se resolvem.

Com relação a essa questão, é interessante observar o segundo gráfico, que traz para uma série de paises os dados do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e do consumo de energia per capita, segundo dados da ONU (ano base: 2005).


Várias leituras são possíveis. Uma delas é com relação aos conjuntos de países; assim, a maioria dos países africanos (pontos verdes) encontra-se na parte inferior de ambas escalas, imediatamente seguida pelos países latino-americanos, são os chamados “subdesenvolvidos”. Os países europeus, alguns dos asiáticos e os EUA vem na seqüência, com valores crescentes de ambas magnitudes, são os chamados “desenvolvidos”.

Esta situação sugere a curva continua traçada (uma interpolação que fiz dos dados, não necessariamente uma relação causal), que parece indicar uma correlação direta entre ambas magnitudes: para um maior consumo de energia maior é o IDH, e vice-versa. Isto é, para ter uma melhor qualidade de vida (se pensarmos o IDH como uma medida dessa qualidade de vida) haverá que consumir mais energia, e, consumindo mais energia melhoraremos a nossa qualidade de vida, o que confirmaria - pelo menos para a energia - o enunciado acima com relação ao progresso.

Mas há uma outra leitura, que é a que quero enfatizar neste momento: essa correlação é relevante até um certo ponto (a parte inicial da curva), ultrapassado esse ponto o aumento do IDH é muito menor, e o que acontece, em verdade, é o desperdício. Isto fica claro se compararmos a situação dos EUA com vários países europeus: o consumo energético norte-americano é muito superior sem que por isso o seu IDH seja maior (Noruega, Suécia, Bélgica e Canadá estão acima na escala).

Assim, poderíamos melhorar a pergunta do título: crescer sim, mas quanto? e como?. Eis algumas questões para depois.