terça-feira, 1 de julho de 2008

I Encontro Latino Americano de Economia da Energia (ELAEE)

Salvador, Bahia
27 de maio de 2008
http://www.nipeunicamp.org.br/elaee/

A Associação Brasileira de Estudos em Energia (AB3E), capítulo brasileiro da International Association for Energy Economics (IAEE), organizou seu primeiro evento internacional em 27 de maio de 2008, na cidade histórica de Salvador, Bahia. O objetivo deste seminário foi discutir a situação atual das políticas energéticas na América do Sul, além de promover a criação de uma rede de economistas da energia na região.

O tema da conferência foi "Políticas energéticas na América Latina: integração energética ou nacionalismo energético". Baseada na experiência ocorrida com a União Européia, existe a crença, surgida nos anos 1950, que a integração energética poderia levar a uma integração econômica mais geral entre os países da América Latina. Entretanto, vem ocorrendo nos últimos anos um evidente retrocesso na integração energética regional, causado por políticas energéticas divergentes adotadas pelos países da América do Sul.

Com o objetivo de discutir as políticas energéticas dos principais países da região, foram convidados especialistas em energia da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Peru e Colômbia. Participaram também do seminário três representantes da IAEE: Carlo Andrea Bollino (presidente atual), Georg Erdmann (presidente-eleito) e David L. Williams (diretor executivo), que contribuíram na organização das sessões e reuniões de trabalho.

O seminário representou uma grande oportunidade para debater as condições econômicas das políticas energéticas na América do Sul. As políticas energéticas na América Latina vêm sofrendo importantes mudanças, refletindo o processo de rápida transformação política, social e econômica da região. Durante os anos 1990, a política energética regional convergiu para uma maior liberalização dos mercados energéticos, com a redução do papel do estado e das empresas estatais. Entretanto, nos últimos cinco anos, a orientação liberal das políticas energéticas vem sendo questionada em vários países da região. Dessa forma, as políticas energéticas começaram a divergir, na medida em que alguns países vêm adotando uma orientação mais nacionalista na sua política, com controle de preços, imposição de tarifas energéticas, restrições ao investimento privado e redistribuição da renda obtida do setor de energia no apoio de políticas sociais.

A falta de investimento privado em parte dos países da região, em particular na Argentina, Bolívia e Venezuela, vem contribuindo para uma situação de escassez energética. Por sua vez, a situação atual de oferta insuficiente de energia vem afetando o processo de integração energética regional. Dado esse contexto, países como Argentina e Bolívia enfrentam enormes dificuldades para honrar compromissos políticos e contratuais para exportação de energia. A Venezuela vem importando gás natural da Colômbia, ao invés de exportar gás natural, como previsto há cerca de dez anos atrás. A situação energética atual representa um grande desafio para os economistas da energia da região, interessados num diálogo produtivo sobre como conciliar as políticas energéticas com a racionalidade econômica no setor. Certamente, não será possível avançar na agenda da integração energética num contexto de escassez de energia. A América do Sul apresenta um grande potencial para produção de energia. A concretização deste potencial dependerá de políticas energéticas que preserve a racionalidade econômica necessária para atrair investimentos públicos e privados para o setor.

A palestra de André Garcez Ghirardi, da Universidade Federal da Bahia, atualmente atuando como assessor especial da presidência da Petrobras, explicou claramente como as atuais turbulências políticas e sociais na Argentina e Bolívia contribuem para deteriorar o ambiente de negócios no setor de energia desses países. A dificuldade dos governos em compensar os escassos investimentos privados vem produzindo uma oferta de energia insuficiente. Esse processo contribuiu para comprometer as possibilidades de integração energética no Cone Sul. A decisão do Chile, do Brasil e, mais recentemente, da Colômbia de importar GNL é um sinal claro dessa deterioração. Por outro lado, o Peru se tornará um importante exportador de GNL para paises de fora da América do Sul. Diante deste contexto, Guirardi sugeriu uma agenda para se buscar uma nova convergência nas políticas energéticas regionais. Essa agenda deve considerar o papel ampliado das empresas estatais na região e a necessidade de se encontrar soluções para problemas energéticos concretos de forma mais pragmática.

A apresentação de Amílcar Guerreiro, diretor da EPE, mostrou que a política energética brasileira passa por um processo de importante transformação. Esta política foi redefinida visando permitir uma maior participação do estado no processo de planejamento do setor. Entretanto, esta maior participação do estado não se deu em detrimento dos investimentos privados no setor. Buscou-se preservar o interesse dos investidores privados no setor energético. Os investimentos na exploração e produção de petróleo e as recentes descobertas da camada de pré-sal são uma demonstração da atratividade do setor energético do Brasil para o setor privado. Essas descobertas, se confirmadas, poderão representar um marco para o setor energético nacional, na medida em que o Brasil poderá se tornar um grande exportador de petróleo. Apesar de o Brasil representar o principal destino para o gás boliviano atualmente, a dependência nacional das importações de gás poderá ser reduzida de forma significativa com o desenvolvimento das recentes descobertas. As tendências observadas no mercado de energia brasileiro deverão influenciar de forma importante as perspectivas para a integração energética da região.

A apresentação de Germán Corredor Avella, da Universidade Nacional da Colômbia, mostrou que a Colômbia ainda se atém à orientação liberal adotada na década de 1990. A Colômbia preservou as principais orientações da sua política energética, mas vem reforçando o papel do estado no planejamento do setor energético. O país implementou um processo de planejamento indicativo e recentemente reorganizou o setor de petróleo e gás, através da criação de uma agência reguladora, buscando promover o investimento privado no setor.

A palestra de Humberto Campodónico, da Universidade de San Marcos, Peru, mostrou que esse país também manteve uma política orientada para o mercado no setor energético. Em geral, o principal papel do estado no setor energético peruano tem sido promover o investimento privado, além de cuidar da regulação setorial. O país tem sido bem-sucedido na atração dos investimentos privados e está prestes a se tornar um importante exportador de gás natural. Entretanto, problemas políticos antigos ainda representam obstáculos importantes para viabilizar as exportações de gás peruano para o Chile, que tem de importar cerca de 70% de suas necessidades energéticas.

Gerardo Rabinovich, da Universidade de Belgrano, Argentina, apresentou em detalhes a situação de grande dificuldade pela qual atravessa o país. A Argentina já foi o principal ponto de ligação dos fluxos de gás natural na América do Sul, com exportações para o Brasil, Chile e Uruguai. Por muito tempo, a política energética de cunho mais liberal adotada pela Argentina serviu como exemplo para os outros países da região. Entretanto, desde a crise econômica de 2001, a política energética argentina mudou drasticamente. Atualmente, essa política é caracterizada por forte intervenção estatal no setor, principalmente através do controle de preços e tarifas. Adicionalmente, o governo criou uma nova empresa estatal (Enarsa), para viabilizar sua participação direta na produção de energia. Essas medidas vêm provocando uma escassez generalizada de energia no país. O ambiente econômico difícil na Argentina inviabilizou os investimentos privados, que não foram compensados pelos investimentos governamentais realizados pela Enarsa. Ao mesmo tempo, a demanda de energia vem aumentando rapidamente, como resultado da recuperação da economia e dos baixos preços dos produtos energéticos. Essa situação é mais dramática no mercado de gás natural, que representa 50% da matriz energética do país. Atualmente, o racionamento de gás natural já se constitui uma rotina no desolador cenário energético argentino.

Ricardo J. Raineri Bernain, da Universidade Católica do Chile, mostrou que a política energética chilena não se descolou da orientação liberal. Entretanto, o país vem redefinindo sua política de integração energética em função da escassez energética na região. O Chile é um país pobre em termos de recursos energéticos e, na ultima década, tornou-se muito dependente da Argentina no suprimento de gás natural. Desde 2004, o país vem convivendo com crescentes cortes das exportações argentinas, provocando uma oferta insuficiente de gás natural e eletricidade no país. Diante desse contexto, o governo chileno decidiu reorientar sua política energética, no sentido de reduzir a dependência da importação da Argentina, através da importação de GNL e de carvão de fora da região. Obviamente, essa reorientação da política energética chilena representa uma forte barreira para o processo de integração energética da região.

Edmilson Moutinho dos Santos, da Universidade de São Paulo, analisou os possíveis impactos das tendências recentes das políticas energéticas na América do Sul. Ele acredita que o processo de integração energética está seriamente ameaçado, em função da falta de consenso quanto às principais orientações das políticas energéticas regionais. A diversidade de políticas vem contribuindo para experiências de nacionalismo energético na América do Sul, produzindo fortes conflitos de interesses entre os países. Na visão não muito otimista dele, os conflitos energéticos tendem a dominar o cenário energético regional por um longo período.

Maurício Medina-Celi, da OLADE, e Luiz A. Horta Nogueira, da Unifei, exploraram as oportunidades para a integração energética na região. Medina-Celi enfatizou que o mercado de gás natural ainda está em sua infância na maioria dos paises da região. Dessa forma, o crescimento da demanda e da produção de gás na região representará uma grande oportunidade para convergências nas políticas energéticas. Ele acredita que os interesses comuns no mercado de gás natural se tornarão uma força motora para uma maior convergência das políticas energéticas, promovendo a aproximação intra-regional dos mercados nacionais de energia. Horta apresentou uma visão mais otimista do potencial para integração dos mercados energéticos sul-americanos. O ele analisou as principais mudanças recentes nas políticas energéticas na região e apontou alguns pontos de convergência. De forma diferente, todos os países reforçaram o papel do governo no planejamento do setor de energia. Por diferentes caminhos, os países da região concluíram que sem um adequado planejamento setorial, os governos não têm condições de assegurar o suprimento energético. Adicionalmente, o processo de reforma e contra-reforma dos últimos dez anos produziu algumas lições importantes para os países: (i) um arcabouço regulatório estável é essencial para atrair os investimentos necessários; (ii) a eficiência econômica é um objetivo a ser perseguido também por empresas estatais. Horta acredita que empresas estatais eficientes podem ser instrumentais para implementação de políticas energéticas apropriadas. Dessa forma, é importante criar condições para uma coexistência equilibrada de empresas privadas e públicas no setor energético. Ele enfatizou o grande potencial para integração energética regional, através de uma maior colaboração em assuntos onde é possível construir uma agenda convergente. Existe um grande potencial para integração dos mercados de eletricidade e de gás natural. Entretanto, a integração não deve se ater apenas nesses mercados tradicionais. Seria importante também aproveitar o potencial para colaboração na área de conservação de energia e de biocombustíveis; certamente, os países da região têm interesses convergentes nessas duas áreas.

Finalmente, cabe ressaltar que o animado debate do seminário de Salvador encorajou os especialistas participantes a buscar formas de continuar o diálogo e a cooperação científica. Duas reuniões ocorridas no dia posterior foram muito produtivas, na medida em que se decidiu criar uma rede latino-americana de economistas da energia, através da criação de outros capítulos da IAEE na América do Sul (a AB3E é a única afiliada da IAEE na região atualmente). Foi decidido ainda que o próximo encontro regional de economia da energia (II ELAEE) será realizado em Santiago do Chile, em março de 2009, a ser organizado por Ricardo J. Raineri Bernain.