domingo, 24 de agosto de 2008

Entrevista: Devolvendo sensatez ao debate sobre a nova lei do petróleo

Confira a seguir a entrevista concedida pelo colaborador do Blog da AB3E, Professor Edmilson Moutinho dos Santos, do Instituto de Energia e Eletrotécnica (IEE) da USP, ao site de notícias Infomoney (reprodução autorizada), no dia 15 de Agosto de 2008.

Por: Vitor Silveira Lima Oliveira
15/08/08 - 20h12
InfoMoney

SÃO PAULO - Perdida em meio à troca de farpas de membros do governo, empresários e acionistas da Petrobras, a discussão a respeito de alterações no modelo de exploração do petróleo parece carecer de critérios mais técnicos e de um debate mais franco.
Defendendo mudanças sem revolução, Edmilson Moutinho dos Santos, do IEE (Instituto de Energia e Eletrotécnica) da USP, concedeu entrevista à InfoMoney sobre o tema.
O professor comentou a posição dos acionistas da Petrobras, o potencial do pré-sal, escapou de armadilhas e provocou a curiosidade: "afinal, quem garante que não há outra surpresa equivalente ao pré-sal nas quase inexploradas bacias sedimentares brasileiras?".

InfoMoney - Segundo o professor da UFRJ Luiz Pinguelli Rosa, os acionistas da Petrobras sairão perdendo com as possíveis mudanças na lei do petróleo. Você concorda?

Edmilson dos Santos - Se olharmos o atual Plano Estratégico da Petrobras, sem a inclusão das oportunidades do pré-sal, já temos uma empresa que deverá fazer qualquer acionista bastante feliz, apesar da atual queda abrupta do valor das ações.
Qualquer coisa a mais em relação ao pré-sal transforma o negócio Petrobras em "mais do que bom negócio", "ótimo negócio" ou "extraordinário negócio". Muito dependerá do novo modelo contratual e fiscal, mas também da confirmação das reservas realmente recuperáveis (que parecem ser gigantescas).
Nesse sentido, talvez possamos concordar com o professor Pinguelli, pois o quadro poderá privar os acionistas da Petrobras daquele cenário "extraordinário e fantástico". Porém, dificilmente as mudanças serão bruscas no sentido de inviabilizar o cenário intermediário de "ótimo e excelente".

Mesmo sem o "extraordinário", é boa a perspectiva para as ações da petrolífera?

Em minha opinião, a Petrobras ainda se apresenta como a melhor opção de investimento do mundo nos próximos dez anos. Estou comprando ações da empresa, aproveitando a surpreendente baixa do valor do papel.

Parte dessa queda das ações se deu por conta da hipótese de atribuição das reservas do pré-sal a uma nova estatal. Faria sentido?

Creio que há muito ruído na imprensa e pouco entendimento do que está sendo realmente proposto. A propriedade das reservas dos recursos naturais no subsolo é monopólio da União e esse princípio constitucional não está em questão. Portanto, não haverá uma real transferência de posse das reservas. O tema que interessa é: "como a União fará a gestão da sua propriedade?".

E o atual modelo para exploração de petróleo? É satisfatório?

O governo mantém contratos de concessão com empresas exploradoras e produtoras, capturando sua parte da renda através de um sistema fiscal petroleiro. O sistema existente no Brasil é robusto e pode ser mantido, apenas com revisões de alíquotas: royalties; participações especiais sobre rentabilidade; bônus de assinatura e aluguel de área.
Nesse modelo, o governo pode pensar em reforçar o sistema de governança e controle. Há vários aprimoramentos que podem ser introduzidos. No entanto, o principal deles refere-se à recuperação do prestígio e da capacitação da ANP (Agência Nacional do Petróleo), a qual passou por um processo de esvaziamento nos últimos anos.

Comenta-se muito sobre a adoção do sistema de partilha. Como ele funciona?

O governo abandona o sistema de concessões e adota os contratos de partilha de produção. Nesse caso, necessita-se de uma empresa estatal para atuar em nome da União. Essa empresa estatal deverá ser mais ou menos atuante, ou burocrática.
Quanto mais atuante for, menos viável será criar uma nova instituição independente da Petrobras, pois não há recursos humanos disponíveis no mercado. Certamente, a empresa será controlada por ex-funcionários da Petrobras e, no longo prazo, a Petrobras acabará adquirindo uma vantagem competitiva em relação aos demais players do mercado.


Esse modelo apresenta maior vulnerabilidade?

Se é para ser uma estatal apenas com funções administrativas, para aumentar o controle dos contratos e garantir a participação do Estado nas rendas petroleiras na forma de óleo (ao invés de tributos), então creio que este modelo é pior do que o anterior, pois o Estado não precisa do petróleo, ele precisa do dinheiro do petróleo. O que a nova estatal vai fazer com o seu petróleo?
Por outro lado, o maior controle pode ser exercido através de uma ANP mais forte e com a introdução de outros instrumentos de governança. Na verdade, na prática internacional, especialmente em países onde a gestão da coisa pública ainda é precária, a experiência indica que os contratos de partilha são mais vulneráveis à corrupção do que os contratos de concessão.

Existem outras alternativas?

Há a experiência mexicana, saudita, parcialmente venezuelana, e agora também boliviana, de um Estado que contrata, diretamente ou por meio de uma empresa estatal, operadores através de contratos de serviço. Com exceção da Arábia Saudita, da qual pouco se sabe, as demais experiências desses contratos mostram-se pouco competitivas ou quase desastrosas, com o nível de reservas em queda.
Não me parece ser a melhor solução para o pré-sal, que exige investimentos elevados e riscos típicos de uma nova fronteira. Um problema desses contratos é que as empresas não podem contabilizar reservas em seus balanços. Portanto, poda-se o acionista da possibilidade de capitalizar totalmente o poder de valorização da renda petroleira. Ora, o pré-sal necessita justamente do contrário, isto é, de uma elevada atratividade para o investidor de risco.

De acordo com o modelo atual, a remuneração do governo está aquém da estabelecida por outros grandes produtores?

Segundo dados da própria ANP, a participação média do Estado brasileiro nas rendas petroleiras é de 60%. Aparentemente, nosso sistema fiscal não garantiu uma participação crescente para o Estado na medida em que o preço do petróleo subiu significativamente entre 2002 e 2006. Portanto, mesmo antes do pré-sal, já se advogava que o sistema tributário petroleiro brasileiro merecia uma profunda revisão. Tal revisão tornou-se inevitável após a descoberta.

- Quais devem ser as características desta revisão?

O sistema fiscal petroleiro deve ser flexível para garantir uma participação maior para o Estado quando os preços sobem e os riscos caem, mas deve ser igualmente flexível para devolver competitividade ao investidor quando os preços caem e os riscos aumentam. Não esquecer que o pré-sal exigirá investimentos maciços na alta [dos preços de petróleo], mas poderá colher seus frutos na baixa e isso representa um tremendo risco para o investidor.
Veja que podemos discutir tudo em termos de revisões tributárias e aprimoramentos institucionais. Não vejo necessidade de se introduzir uma nova filosofia contratual, que exige uma nova cultura na governança petroleira.

Avaliando as descobertas como um misto de sorte e capacidade de prospecção, qual seriam os pesos em uma média ponderada hipótetica?

É uma pergunta tentadora e uma verdadeira armadilha ... [risos]. Creio que essa reflexão não faz sentido. A história do petróleo, principalmente em seus momentos mais críticos (e igualmente mais lindos) de abertura de novas fronteiras, como ocorreu no Mar do Norte, no Norte da África, no Texas ou mesmo no início da aventura offshore brasileira, sempre envolveu uma combinação qualquer de sorte, propensão ao risco e capacidade técnica e financeira para encarar esse risco.
O elemento principal é a consolidação de um ambiente institucional que promova essa combinação de fatores. Com todas as críticas que podemos fazer ao modelo vigente no Brasil, não podemos negar que se criou um ambiente adequado e muito atrativo para o capital de risco e continuado desenvolvimento tecnológico. Sem dúvida, essa foi condição essencial para que pudéssemos abrir as portas do pré-sal. E antes mesmo, o modelo havia se mostrado um tremendo sucesso ao se gerar outros centros de interesse, como nas bacias de Santos, Espírito Santo e São Francisco.

Qual sua posição na atual polêmica sobre as alterações?

Defendo que o modelo atual deva ser aprimorado, mas não requer grandes revoluções. A continuidade é um ativo importante nesta indústria do petróleo que investe elevadas somas de capital de risco com resultados previstos em longo prazo.
Aproveito para fazer um último comentário. Um elemento importante para o modelo era a oferta anual de novas áreas de exploração através dos Leilões da ANP. Tudo isso ficou paralisado desde o Leilão 8 (já talvez devido aos primeiros indícios do pré-sal).
Claro que se trata de um fato relevante e me parece recomendável estudar um pouco melhor antes de se ofertar novas áreas. Porém, isso não impede que o Brasil continue a ofertar áreas fora do pré-sal. Evidentemente, os grandes players, que vislumbram adentrar nesse pré-sal, vão reclamar e pressionar, inclusive junto à imprensa.
Contudo, há outra infinidade de empresas que mostrariam grande apetite pelo Brasil. Na verdade, empresa de petróleo funciona assim mesmo, isto é, um sucesso exploratório e uma abertura de nova fronteira geram incentivos adicionais, principalmente para aqueles atores de maior propensão ao risco, que se especializam em abrir novas fronteiras. Afinal, quem garante que não há outra surpresa equivalente ao pré-sal nas quase inexploradas bacias sedimentares brasileiras?

2 comentários:

Edmar de Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edmar de Almeida disse...

Edmilson,
gostei muito da sua entrevista. Muito sensato. Entretanto, acredito que existe muitas questões pendentes que deverão ser materia de muita negociação para que se consiga mantar o marco regulatório atual. O pré-sal nao é mais do mesmo. Ele coloca questões regulatórias novas que nao foram previstas na lei 9478. Portanto, de toda maneira terá que se negociar muito para se criar um marco regulatório novo ou complementar ao que existe, para se dar segurança jurídica para as empresas irem adiante.