segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O decálogo do etanol

Ronaldo Goulart Bicalho
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ

Saindo do forno, uma publicação do BNDES/CGEE intitulada Bioetanol De Cana-De-Açúcar: Energia Para O Desenvolvimento Sustentável.

Organizada pelo professor Luiz Augusto Horta Nogueira, da UNIFEI, essa publicação destaca, no seu capítulo de conclusão, os dez pontos considerados mais importantes do bioetanol de cana-de-açúcar, que o configuram como uma opção energética estratégica e sustentável, passível de ser replicada e adaptada em outros países com disponibilidade de terras e condições climáticas adequadas.

  1. O bioetanol pode ser utilizado em motores veiculares, puro ou em misturas com gasolina, com bom desempenho e empregando essencialmente o mesmo sistema de distribuição e armazenamento existente para a gasolina. Em teores até 10 %, os efeitos do bioetanol são quase imperceptíveis sobre o consumo dos veículos, que podem, nesses níveis, empregar esse biocombustível em seus motores sem qualquer modificação.
  2. O bioetanol de cana-de-açúcar é produzido com elevada eficiência na captação e na conversão de energia solar (relação produção/consumo de energia acima de oito), com produtividade agroindustrial bastante superior à dos demais biocombustíveis, alcançando perto de oito mil litros por hectare (tecnologia atual) e significativa disponibilidade de excedentes de interesse energético, como biocombustíveis sólidos (bagaço e palha) e, principalmente, bioeletricidade.
  3. O bioetanol de cana-de-açúcar, produzido nas condições brasileiras, mostra-se competitivo com o petróleo ao redor de US$ 50 o barril, com um custo de produção determinado principalmente pela matéria-prima. A tecnologia empregada para a sua produção está aberta e disponível e pode ser, aos poucos, introduzida na agroindústria canavieira voltada para a fabricação de açúcar.
  4. Os impactos ambientais de caráter local associados à produção de bioetanol de cana-de-açúcar sobre os recursos hídricos, o solo e a biodiversidade e decorrentes do uso de agroquímicos, entre outros, podem ser e, em boa medida, foram efetivamente atenuados a níveis toleráveis, inferiores à maioria de outras culturas agrícolas.
  5. O uso do etanol de cana-de-açúcar permite reduzir em quase 90 % as emissões de gases de efeito estufa, contribuindo de modo efetivo para mitigar a mudança climática. Nas condições atuais, para cada milhão de metros cúbicos de bioetanol de cana-de-açúcar empregado em mistura com gasolina, cerca de 1,9 milhão de toneladas de CO2 deixam de ser emitidos para a atmosfera.
  6. São significativas as perspectivas de desenvolvimento tecnológico na agroindústria do bioetanol de cana-de-açúcar, com aumento da produtividade e do desempenho energético (inclusive na fase agrícola) e diversificação da gama de produtos, com destaque para as rotas de hidrólise e gaseificação, passíveis de serem empregadas no incremento da produção de bioetanol e bioeletricidade. O desenvolvimento adequado de programas bioenergéticos depende visceralmente de sua permanente interação com as fontes de inovação.
  7. Os empregos na agroindústria do bioetanol de cana-de-açúcar apresentam bons indicadores de qualidade e, ainda que a crescente mecanização na colheita de cana-de-açúcar reduza o trabalho braçal, a demanda de mão-de-obra permanece bastante elevada por unidade de energia produzida, em comparação com outras fontes de energia.
  8. A produção de bioetanol de cana-de-açúcar, como desenvolvida no Brasil, pouco afeta a produção de alimentos, com uma área plantada muito reduzida em relação à área cultivada para alimentos e às áreas disponíveis para a expansão das atividades agrícolas.
  9. A agroindústria do bioetanol de cana-de-açúcar articula-se com muitos setores da economia e promove o desenvolvimento de diversas áreas, como a prestação de serviços, a indústria de equipamentos agrícolas e industriais e a logística. O suporte ao desenvolvimento científico e tecnológico é um elemento importante dessa cadeia produtiva, fundamental para assegurar a utilização da matéria-prima com baixo impacto ambiental e elevada eficiência.
  10. São amplas as possibilidades de expandir a produção de bioetanol de cana-de-açúcar, não apenas no Brasil, como também em outros países tropicais úmidos, considerando a disponibilidade de terras não utilizadas ou utilizadas com atividades pecuárias de baixa produtividade e a existência de clima adequado.

Fonte: Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustetantável / organização BNDES e CGEE. – Rio de Janeiro: BNDES, 2008.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A questão do pré-sal: a importância da democracia implícita no debate

Francisco Ebeling
Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP)

O atual debate sobre como lidar com as descobertas petrolíferas do pré-sal pode ser considerado tudo menos monótono. A questão central que os debatedores de diferentes correntes políticas, sociais e empresariais colocam na mesa é se o atual modelo exploratório deve ser alterado ou não em prol de um maior beneficiamento do Estado brasileiro e, conseqüentemente, da população do país. Na contramão disso, a exploração petrolífera, especialmente do pré-sal, depende de vultosas somas de investimentos que quiçá o Estado e sua representante empresarial petrolífero, a Petrobrás, não consigam viabilizar. Estabelece-se, desta forma, uma aparente contradição que coloca de um lado estado e de outro lado o mercado.

Uma conclusão que se pode tirar deste complexo embate é que, em termos de consolidação das estruturas democráticas, ele é bastante favorável. A explicação disso é encontrada no que se segue adiante.

Thomas Kuhn, um renomado autor da filosofia da ciência, criou o conceito das revoluções científicas. As revoluções científicas seriam as ondas de destruição criadora, assim dizendo num contexto Schumpeteriano, que deslocariam os velhos paradigmas científicos dando lugar a paradigmas mais atualizados e mais capazes de lidar com a resolução dos problemas científicos que se colocam. Após o advento de uma revolução científica o novo paradigma científico se consolida e tem início aquilo que é conhecido como ciência normal, que são procedimentos científicos longe de serem revolucionários ou capazes de deslocar um paradigma, mas que têm a função de fortificar o paradigma que se consolidou.

Num exercício de abstração, é possível entender que paradigmas científicos são uma boa forma de também criar um referencial analítico para entender qualquer tipo de paradigma em qualquer área prática ou de pensamento. Um exemplo disso pode ser a matriz energética mundial. Existiram fases de uso ou, assim dizendo, paradigmas energéticos como o do carvão, o do petróleo ou o de múltiplas fontes energéticas combinadas (o mais atual) que foram se sucedendo justamente por aquilo que entendemos, desde um referencial analítico, como revoluções científicas.

No entanto, à medida que as fases energéticas foram se sucedendo o mundo foi tornando-se também mais complexo. Os grupos de interesse envolvidos na indústria energética (políticos, econômicos, ambientais e sociais) se tornaram mais numerosos e mais diversificados, as relações comerciais e financeiras mundiais mais complexas, entre outros fatores. De sorte que a idéia de adaptar um referencial analítico como o da ciência normal a um paradigma como o energético precisou sofrer também revisões.

Isto porque a ciência normal é considerada, em Kuhn, uma prática relativamente estável e suscetível a poucas trepidações. No entanto, aquilo que seria a ciência normal no paradigma energético, que é a coletânea de práticas, normas e procedimentos que uma indústria como a petrolífera adota e constantemente atualiza cada vez mais está suscetível a grandes trepidações, justamente pela grande diversificação e interação cada vez mais caótica dos grupos de interesse.

Nesta linha, só que no contexto da filosofia da ciência, os autores Silvio Funtowicz e Jerome Ravetz cunharam o termo da ciência pós-normal. Este seria então a realização de práticas científicas corriqueiras dentro de um determinado paradigma científico, só que com a aceitação de que os tempos são incertos e que existem grupos conflitantes em cada vez maior escala. A ciência pós-normal coloca especial ênfase na importância do debate. O debate e a adequada retórica são as ferramentas chave para que cientistas consigam lidar com os desafios impostos pelos tempos incertos em que os mesmos trabalham. A ciência pós-normal, em grandes traços, é um alargamento da noção de ciência normal, só que incluindo a idéia de que é necessário ter ferramentas para lidar adequadamente com o problema das instabilidades da ciência no mundo moderno, principalmente através do poder e da importância do bom debate.

Voltando ao exemplo petrolífero, nota-se que, diante do atual cenário, usar referências analíticas mais atualizadas que contemplem formas de lidar com a complexidade do mundo moderno e de suas intricadas inter-relações pode ser bastante vantajoso, já que a indústria petrolífera é talvez a mais complexa e importante do mundo. Observa-se também que os problemas envolvendo interesses conflitantes nessa indústria podem ser mais bem abordados e resolvidos se é reconhecido que o bom debate entre os agentes envolvidos é uma ferramenta importante. Essa aceitação fortificaria um paradigma como o petrolífero, ao consolidar as suas práticas e torná-las aceitáveis até para grupos que de alguma trazem oposição à indústria do petróleo, como por exemplo os ambientalistas.

No caso brasileiro e do pré-sal, a exploração dessas reservas pressupõe que o paradigma petroleiro precisará ter continuidade, pois se não fosse assim não haveria rendas petrolíferas advindas da camada pré-sal nem um clima adequado para a segurança dos investimentos. Sabe-se que a melhor solução para a atual questão do pré-sal será encontrada através do bom e bem elaborado debate entre todas as partes envolvidas, satisfazendo em algum grau a todos. Assim, a ciência pós-normal estaria presente, de alguma forma, como referencial analítico importante na questão petrolífera brasileira, já que esta aborda insistentemente o tema do debate. E debate, isso pode ser admitido livremente, é parte constituinte de estruturas democráticas saudáveis, assim como o desejamos e prezamos, principalmente no Brasil.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Pré-sal e a política gasífera nacional

Edmar Luiz Fagundes de Almeida, D.Sc.
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ

As descobertas do Pré-sal despertaram discussões políticas e acadêmicas muito acaloradas sobre possíveis mudanças no arcabouço regulatório e institucional do setor e sobre o que fazer com o grande volume de óleo a ser produzido. Entretanto, ainda não surgiu no debate uma discussão sobre o gás natural do Pré-sal. Como sempre, o gás natural é esquecido, visto por todos como o “primo pobre” do milionário petróleo. Entretanto, se tiver muito óleo no Pré-sal, certamente tem muito gás natural também. Confirmada esta premissa, o gás natural poderá ser matéria de importantes decisões de política energética, e ocupará a um grande espaço na agenda de discussões no setor energético brasileiro.

O mercado de gás natural no Brasil vem passando por um período de forte turbulência em função da falta de uma oferta doméstica adequada e da nossa dependência do fornecimento Boliviano. A rápida expansão da demanda nos últimos anos resultou numa escassez de oferta. A política gasífera nacional vem passando por profundas transformações, em função da necessidade de arbitrar as prioridades para o uso do gás natural. Por um lado, o governo elegeu o setor elétrico como consumo prioritário; por outro lado, permitiu à Petrobras adotar uma política de forte elevação de preços para desestimular o crescimento do consumo nos outros segmentos. Esta política gasífera representou uma forte inflexão na estratégia de desenvolvimento do setor que, desde a inauguração do gasoduto Bolívia-Brasil, praticou preços relativamente baixos, buscando estimular a demanda para “encher” do gasoduto. Esta mudança radical na política de preços tem conseqüências negativas para a competitividade da cadeia de gás natural e dos setores industriais gás intensivos.

A descoberta do pré-sal descortina uma nova realidade no que tange o potencial de oferta de gás natural no Brasil. A possibilidade de abundância de gás pode representar uma grande oportunidade para uma nova política gasífera que busque disponibilizar para o país grande quantidade de energia a preços competitivos. O gás natural tem o potencial para se tornar um fator importante de industrialização e desenvolvimento. Vários segmentos industriais - tais como cerâmica, química, papel e celulose, siderurgia, metalurgia, entre outros - podem ter na oferta de gás natural relativamente barato um fator de competitividade internacional e atração de investimentos. Diante disto, é fundamental incorporar o gás natural no debate sobre o futuro do Pré-sal.

Enquanto por um lado o governo já se mostra preocupado em não exportar petróleo bruto, e prega a necessidade de investimento em refinarias, já se cogita investir na liquefação de gás natural embarcada na bacia de Santos, inclusive visando a exportação. Esta assimetria é um sinal claro da falta de uma visão estratégica mais ampla no setor de energia nacional. Do ponto de vista da industrialização, é muito mais interessante favorecer a oferta do gás natural a baixo preço para a indústria nacional que gastar bilhões em refinarias que, além de gerar poucos empregos, tem uma viabilidade econômica duvidosa.

Uma nova política de gás natural num contexto de grande potencial de oferta deveria se pautar pelas seguintes premissas:

  1. O mercado doméstico e, em particular o setor industrial, deveria ser prioritário para o aproveitamento e valorização das reservas de gás nacionais;
  2. Enquanto o petróleo deve ser considerado uma commodity internacional e precificado levando em conta o mercado mundial, o gás natural deveria ser considerado um insumo estratégico para o país;
  3. É necessário estabelecer uma política de preços que leve em conta custo de produção, transporte e distribuição, incluindo obviamente uma remuneração adequada para os investidores.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Por que o Hidrogênio? - 2a. Parte¹

Prof. Dr. Ennio Peres da Silva
Laboratório de Hidrogênio da UNICAMP
Instituto de Física “Gleb Wataghin”
Universidade Estadual de Campinas

Na primeira parte desse artigo foi mencionado que a grande novidade tecnológica associada ao uso energético do hidrogênio, nos últimos anos, foi o enorme desenvolvimento dado às células a combustível, dispositivo que converte a energia química de um combustível, como por exemplo o hidrogênio, em energia elétrica, tendo como produto resultante vapor d´água. Já neste artigo será dada maior ênfase ao uso dessa promissora tecnologia.

O princípio de funcionamento das células a combustível foi descoberto pelo químico suíço/alemão Christian Friedrich Schönbein (1799-1868) em 1838, mas foi o químico e juiz britânico Sir William Robert Grove (1811-1896) que mostrou a aplicação prática desse princípio ao construir uma bateria voltaica a gás em 1839, utilizando hidrogênio e oxigênio. O termo fuel cell (célula a combustível) foi criado em 1889 pelo químico inglês (nascido alemão) Ludwig Mond (1839-1909) e seu assistente Charles Langer, que construíram o primeiro dispositivo prático, utilizando gás de carvão e ar.

Passaram-se 70 anos até que em 1959 o engenheiro britânico Francis Thomas Bacon (1904-1992) construiu a primeira célula a combustível tipo alcalina (eletrólito de hidróxido de potássio – KOH), com as características das células atuais. Utilizando hidrogênio e oxigênio, esta célula tinha uma capacidade de produzir 5 kW de energia elétrica. Apesar dos avanços técnicos e algumas aplicações, como o trator com potência de 20 HP do engenheiro da Allis-Chalmers Manufacturing Company Harry Karl Ihrig, em 1959, nos anos 60 as células a combustível tiveram sua importância apenas nas aplicações aeroespaciais, uma vez que a NASA utilizou estes dispositivos para a geração de eletricidade e água nos projetos Gemini (células tipo PEM - Próton Exchange Membrane -, o tipo mais indicado para aplicação veicular, desenvolvidas pela empresa General Electric) e Appolo (células tipo alcalina fabricadas pela empresa Pratt & Whitney).

Nos anos 70, com o advento da Crise do Petróleo, as células a combustível foram consideradas para aplicações terrestres, juntamente com o hidrogênio, mas também perderam importância quando os preços do petróleo declinaram no início dos anos 80. Nesta década, apesar de poucas aplicações das células a combustível, muitos avanços científicos e tecnológicos tornaram mais prática e barata a fabricação desse equipamento. Porém, um interesse maior pelas células a combustível somente ocorreu em meados dos anos 90, com o aumento das preocupações ambientais, tomando proporções nunca vistas a partir da busca, principalmente pelos Estados Unidos, para alternativas ao Protocolo de Quioto.

De fato, o uso energético do hidrogênio nunca foi tão estudado e proposto como solução de vários problemas do atual quadro energético de muitos países. A importância dada a esta alternativa varia de país a país, predominando o interesse dos países mais desenvolvidos, que possuem condições de realizar os elevados investimentos que vêm sendo feitos, principalmente no desenvolvimento da tecnologia das células a combustível. A magnitude dos recursos investidos por governos e empresas permite concluir que a introdução do uso energético do hidrogênio será uma questão de tempo, a depender da evolução do quadro dos problemas relacionados às mudanças climáticas, do suprimento e dos preços do petróleo e seus derivados e dos avanços tecnológicos nesta área, em especial quanto à redução dos custos.

Uma observação importante é que a tecnologia das células a combustível está sendo proposta para uso automotivo. Deste fato, várias conclusões são possíveis:
  1. A tecnologia de célula a combustível, que tem merecido a maior parte das atenções, é a do tipo PEM, melhor indicada para esta aplicação. Os significativos investimentos em todos os aspectos desta tecnologia (eletrodos, membranas, catalisadores) implicam em um domínio tecnológico por grandes empresas multinacionais restando, nos próximos anos, poucos desenvolvimentos a serem obtidos, principalmente em países periféricos, como o Brasil, que não possuem elevada capacidade de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
  2. As células PEM operam com hidrogênio, combustível que precisa ser extraído de compostos que possuem este elemento químico. Nesse caso, duas tecnologias se destacam: a eletrólise da água e os reformadores de hidrocarbonetos (compostos formados essencialmente por carbono e hidrogênio). Apesar de se constituírem em tecnologias dominadas, essas se encontram mais disseminadas por várias empresas e em diversos países. Por serem tecnologias mais simples que as das células a combustível, neste campo há mais possibilidades de domínio tecnológico por parte de países como o Brasil.
  3. O elevado grau de pureza do hidrogênio exigido pelas células PEM implica na necessidade de sistemas de purificação deste gás, principalmente quanto à presença de monóxido de carbono, que “envenenam” as células. Como conseqüência, os grandes volumes de hidrogênio previstos para serem utilizados em veículos requererão sistemas de tratamento e purificação, não sendo possível atualmente se determinar qual tecnologia será a mais utilizada. Sendo o hidrogênio produzido junto às estações de abastecimento, como tem sido a grande maioria das estações atualmente em operação ou projetadas, então estes sistemas deverão ser de pequeno porte, o que torna a tecnologia disponível nas grandes refinarias de petróleo não completamente adequadas. Assim sendo, os sistemas de tratamento e purificação do hidrogênio de pequeno e médio porte podem se constituir em uma importante oportunidade para os países que possuem baixa capacidade de investimentos em P&D. No caso específico do monóxido de carbono, catalisadores seletivos poderão também se constituir em uma oportunidade, uma vez que nessa aplicação a tecnologia de catalisadores consagrada nos veículos para redução deste composto não é adequada.
  4. As dificuldades de uso automotivo das células tipo SOFC (Solid Oxid Fuel Cell – Célula a Combustível de Óxido Sólido - indicada para aplicações estacionárias) e o menor interesse atual nesse tipo de geração de energia elétrica fazem com que esta tecnologia tenha um desenvolvimento mais lento que a das células tipo PEM. Como o estado da arte das SOFC indica que ainda há a necessidade de muitos avanços e inovações, esta é uma área que os investimentos em P&D ainda podem resultar em domínio para países como o Brasil. Portanto, esse é um campo que deve merecer maiores atenções no país.
As justificativas apresentadas para o uso energético do hidrogênio e da tecnologia das células a combustível dizem respeito às maiores eficiências obtidas com esses sistemas, bem como a possibilidade do seqüestro do carbono produzido na geração do hidrogênio, uma vez que essa geração pode ser feita em unidades fixas, ou seja, estacionárias. Assim sendo, o uso do hidrogênio no lugar de combustíveis fósseis em veículos - neste caso fontes móveis de emissão de compostos de carbono - permitirá a continuidade do uso automotivo das fontes não renováveis de energia, mas sem que ocorram emissões de carbono.
  1. Esse texto faz parte da tese de doutorado de Ana Maria Resende Santos, defendida em fevereiro/2008 no Curso de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP, e foi revisado por Cristiane Peres Bergamini, jornalista.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O desejado pragmatismo

Felipe A. Dias
Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP)

Venho desta vez seguir os passos do amigo Bicalho e trazer um breve olhar sobre a crise financeira, sua profundidade e seus impactos sobre o setor de energia.

Olhando especialmente para a economia americana, estamos vendo uma progressiva deterioração das condições de liquidez e oferta de crédito. E de confiança, de uma maneira geral. A aprovação do pacote de US$ 700 bilhões pelo congresso americano, seguida de ações similares em outros países, não surtiu o efeito esperado pela opinião pública, uma vez que está claro aos analistas e agentes do setor que a equipe econômica liderada pela dupla Paulson / Bernanke não sabe exatamente o que fazer com o dinheiro.

A recuperação da bolsa neste início de semana é, sem dúvida, positiva. Mas é cedo para falar em reversão de tendência. Não há mudanças estruturais que justifiquem expectativas de alteração do quadro no futuro próximo. Apenas sinais da extrema volatilidade dos tempos que vivemos. E, nas palavras de um ex-professor da prestigiada Wharton School of Business, a única lição valiosa que tiramos da história é que situações como esta tendem a persistir e perdurar por mais tempo que o previsto.

Diante deste quadro, a pergunta óbvia que nos trago é: que impactos a nova conjuntura econômica e financeira internacional pode trazer ao desenvolvimento da nossa indústria offshore?

A resposta é curta e ainda mais óbvia: muitos. Tudo indica que a restrição de oferta de crédito tem se acentuado para grandes projetos com longo prazo de maturação. Segundo um analista do Banco Mundial com quem conversei recentemente, a carteira de projetos de infra-estrutura do Banco, incluindo petróleo e gás, já foi afetada. Uma série de projetos, desde o desenvolvimento de novos campos até a construção e ampliação de refinarias, especialmente no Oriente Médio e na Europa Oriental, estão parados em razão de dificuldades na captação de recursos. E não há como esperar que o desenvolvimento da nova província do pré-sal não seja impactado, na melhor das hipóteses, com o aumento do custo de capital para a captação de recursos. E o risco de longo prazo associado à deterioração da demanda, e consequentemente do preço, agrava ainda mais o quadro.

Quanto ao preço, será interessante observar que o fenômeno mencionado acima tende a pressioná-lo em direções contrárias, afetando negativamente a demanda, que já vem mostrando sinais de desaceleração a algum tempo, e a oferta, que sofrerá ainda mais com os frequentemente mencionados atrasos na entrada de novos campos produtores.

Mas a questão que me trouxe a este tema diz respeito, mais uma vez, à discussão do marco regulatório para a exploração e produção na nova província. Sigo defendendo a pertinência e a legitimidade do debate, e da reavaliação, como país, da aplicabilidade dos mecanismos atualmente disponíveis para explorar adequadamente os novos recursos. Mas os tempos pedem pragmatismo e equilíbrio. Um desenho regulatório que imponha níveis adequados de controle e da participação do estado sobre a renda produzida. Mas que permita também o influxo de capital necessário para a pesquisa, a avaliação e o desenvolvimento desta enorme área em um ritmo que nos permita, no menor espaço de tempo possível, o avanço em termos de desenvolvimento social e humano que nossa geração vem, por uma vida, esperando.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A crise financeira e os mercados livres de energia

Ronaldo Bicalho
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ

A crise financeira atual terá profundas conseqüências sobre o processo de liberalização dos mercados, entre eles o mercado de energia elétrica. A perda de legitimação política desse tipo de processo levará ao fortalecimento da intervenção do Estado na regulação dos mercados, em detrimento da autonomia “criativa” dos agentes.

No momento em que o mercado livre de energia elétrica no Brasil encontra-se diante de impasses significativos, a formulação de propostas para superá-los deve levar em conta essa profunda modificação do contexto; caso pretenda ter o mínimo de sucesso nessa empreitada.

A crise dos mercados elétricos liberalizados, observada nos Estados Unidos – em particular na Califórnia – no início desta década, pode ser vista como uma prévia do que viria acontecer, anos mais tardes, de forma ampliada, nos mercados financeiros globais.

As reformas dos mercados de energia fizeram parte de um amplo conjunto de reformas açambarcadas em um grande movimento, de cunho liberal, de reforma do Estado. A questão essencial era, a princípio, reduzir a participação do Estado na vida econômica, e, naquelas atividades em que ainda fosse necessária a sua presença, modificar a natureza da sua intervenção: do Estado Produtor para o Estado Regulador.

Desse modo, a dimensão mais relevante desse tipo de reforma era o movimento de retirada do Estado das atividades produtivas que, na presença de ativos estatais significativos, passava inexoravelmente pela transferência da propriedade desses ativos da esfera pública para a esfera privada. Nesse contexto, a privatização apresentava duas dimensões: pelo lado do Estado, representava uma reforma patrimonial; pelo lado da iniciativa privada, representava a abertura de um espaço de valorização do capital que antes ela não ocupava.

Outro aspecto importante das reformas liberais era o peso da introdução da competição em setores de infra-estrutura tradicionalmente monopolistas. Nesse caso, o objetivo principal era a liberalização das forças de mercado mediante a retirada de todas as barreiras à sua livre expressão. A execução desse objetivo passava por construir, institucionalmente, uma estrutura de mercado que se aproximasse de uma estrutura de mercado idealmente competitiva. Na concepção mais radical da reforma, a própria intervenção regulatória seria apenas um estágio de transição em direção à completa desregulamentação desses mercados.

Essa liberalização das forças de mercado foi acompanhada de uma forte financeirização dos mercados de energia elétrica. Sobre os novos mecanismos financeiros de mitigação de riscos – derivativos e correlatos - repousavam as esperanças do surgimento de uma inovadora forma de gerir os riscos, que haveria de fundar um novo mercado elétrico, inteiramente diferente daquele que havia existido ao longo de grande parte do século XX. Face a isto, muitos autores afirmavam, à época, que a grande transformação no mercado elétrico não estava na privatização, na desverticalização ou na quebra dos monopólios, mas na maneira totalmente nova e original de gerir os riscos em uma atividade tremendamente intensiva em capital e com longos períodos de maturação dos investimentos.

A Enron foi, sem dúvida, o ícone das empresas de energia desse grande movimento de liberalização, ao passo que a reforma californiana, o projeto de transformação do mercado elétrico mais ambicioso; a primeira com o seu projeto de deixar de ser uma empresa de energia e se transformar em uma grande “corretora”, gestora de riscos diversos, e a segunda em sua pretensão de precificar, via mercado, todos os serviços que sustentam as relações físicas e econômicas pertinentes a um mercado elétrico.

Esses dois símbolos da reforma liberal americana se encontraram no início da atual década na Califórnia e geraram um desastre, de tal magnitude, que modificou radicalmente o destino dessa reforma.

A Enron deixou de ser um caso de estudo para ser um caso de polícia, e a reforma californiana deixou de ser um caso de promessa de sucesso para ser uma síntese de fracasso.

O resultado foi o aumento vigoroso da monitoração, vigilância e supervisão estatal dos mercados elétricos nos Estados Unidos e, não só um bloqueio da agenda reformista no âmbito dos estados americanos, mas até mesmo a sua reversão em alguns casos.

Dessa forma, a convergência política que havia sustentado a liberalização das forças de mercado na energia elétrica nos Estados Unidos, a partir da crise da Califórnia e do escândalo da Enron, simplesmente foi para o vinagre. De tal maneira que se pode afirmar que, se nos anos 1990s a agenda liberalizante tinha um caráter normativo, hoje ela passou a ser vista, na melhor das hipóteses, como mais uma possibilidade colocada na mesa de debate.

Os efeitos políticos mais amplos desses acontecimentos foram simplesmente diluídos pelos eventos ligados ao onze de setembro, quando a figura de Bin Laden substituiu as de Kenneth Lay e Jeffrey Skilling - os rapazes mais “espertos” da sala e da Enron - no papel de vilão nos palcos americanos. No entanto, esses acontecimentos tiveram conseqüências importantes no processo de reformas do mercado elétrico, que passaram a ser vistos como um empreendimento muito mais complexo e custoso do que anteriormente se previa, deixando de ser uma panacéia para se tornar uma opção de difícil implantação, na qual os benefícios prometidos não cobriam, necessariamente, os custos e os riscos envolvidos.

As questões colocadas hoje pela hecatombe dos mercados financeiros estreitam ainda mais as possibilidades de avanço das reformas liberais no mercado elétrico. Afinal, na medida em que fracassa, de forma retumbante, a mãe de todas as reformas liberalizantes, a reforma do mercado financeiro, como ficam as perspectivas políticas da sua filha mais pretensiosa, a reforma do mercado elétrico?

Nesse sentido, os agentes do mercado livre de energia elétrica que buscam soluções para os atuais impasses desse mercado no Brasil devem refletir profundamente sobre a forma que eles irão estruturar suas propostas. Caso decidam estruturá-las a partir da mesma concepção liberal e financeira que utilizaram até agora, acredito que encontrarão grandes dificuldades políticas na sua legitimação e implementação. Diante do atual quadro, qualquer proposta de reestruturação do mercado livre que pretenda ter sucesso deverá passar inexoravelmente por uma redução da liberdade e um aumento significativo da regulação, da supervisão, da vigilância e das garantias físicas envolvidas nos contratos. Portanto, não se trata de ter dois mercados, um livre e outro regulado, mas de se ter dois mercados, fortemente regulados, porém com objetivos e funções diferentes na estruturação das relações no interior do mercado elétrico brasileiro.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Por que o Hidrogênio? - 1a. Parte¹

Prof. Dr. Ennio Peres da Silva
Laboratório de Hidrogênio da UNICAMP
Instituto de Física “Gleb Wataghin”
Universidade Estadual de Campinas

O hidrogênio foi descoberto pelo físico e químico inglês Henry Cavendish (1731-1810) em 1766, chamado por ele de “ar inflamável”, tendo recebido o nome atual em 1788, derivado do grego (hydro + genes), através do químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier (1743-1794), o qual mostrou que a combustão (queima) do hidrogênio resulta na produção de água. Já em 1783, o cientista e inventor francês Jacques Alexandre César Charles (1746-1823) iniciava as aplicações não energéticas do hidrogênio, utilizando este gás em balões mais leves que o ar.

As aplicações energéticas do hidrogênio começaram em 1792, quase 30 anos depois de sua descoberta, com a primeira aplicação comercial do gás de iluminação (gás de carvão ou town gas) realizada pelo engenheiro e inventor escocês William Murdoch (1754-1839), ao iluminar sua residência em Redruth, Cornwall, na Inglaterra. Este gás, produzido a partir da gaseificação do carvão (reação com água através da oxidação parcial e/ou reforma a vapor), é constituído por uma mistura de hidrogênio, monóxido de carbono (CO), metano (CH4), gás carbônico (CO2), nitrogênio e uma série de outros compostos, sendo o teor de cada um determinado pelas condições de operação (com ou sem água, pressão, temperatura, tipo de gaseificador, etc.).

O uso de hidrogênio puro em sistemas energéticos remonta os experimentos do engenheiro alemão Rudolf Erren, nos anos 20 do Século XX, convertendo motores de combustão interna de caminhões, ônibus e até submarinos para o uso deste gás, exclusivamente ou em misturas. Os ensaios com hidrogênio líquido em aviões resultaram no uso desse combustível em foguetes a partir dos anos 60 pela National Aeronautics and Space Administration (NASA), dos Estados Unidos da América². Atualmente, este combustível é utilizado nos principais lançadores de satélites e espaçonaves, como nos ônibus espaciais norte-americanos (Space Shuttle), nos lançadores europeus Ariane e nos russos Próton-M.

O uso intensivo do hidrogênio como energético só foi cogitado, ainda assim por poucos especialistas, na segunda metade dos anos 70, durante o período conhecido como da “Crise do Petróleo”, iniciado com o primeiro “Choque do Petróleo”, em 1973. O segundo “Choque”, ocorrido em 1979, ampliou a idéia desta aplicação, mas a redução dos preços do petróleo no início dos anos 80 fez com que esta e outras propostas de energias alternativas fossem esquecidas. Entretanto, foi nesse período que se constituíram algumas das principais organizações e grupos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nacionais e internacionais, que vêm, desde então, realizando importantes avanços tecnológicos, estudos estratégicos e elaborando programas de utilização deste energético. De fato, a International Association for Hydrogen Energy (IAHE) foi criada em 1974, sendo a responsável, desde esse ano, pela realização bianual da importante World Hydrogen Energy Conference (WHEC). No Brasil, o Laboratório de Hidrogênio (LH2) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) foi criado em 1975 e o Grupo de Eletroquímica do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo, campus de São Carlos, em 1980.

Assim, a idéia do uso energético intensivo do hidrogênio desenvolvida nos anos 70 se referia a uma substituição dos derivados do petróleo, muito caros, por alternativas economicamente competitivas, e implicava no uso de outras fontes de energia para a produção desse gás, como o carvão (processos de gaseificação com ou sem reforma) e a energia nuclear (processo de eletrólise da água, no qual há a separação de seus constituintes, hidrogênio e oxigênio), fontes estas com grande disponibilidade na maioria dos países desenvolvidos. Percebe-se, dessa forma, a ausência ou a falta de ênfase, de preocupações ambientais relacionadas a esta idéia. Conseqüentemente, a redução dos preços do petróleo no início dos anos 80 tornou economicamente inviável essa alternativa e reduziu em muito o interesse na tecnologia e economia do hidrogênio.

De qualquer forma, ficou claro para a grande maioria das pessoas que a disponibilidade do petróleo não seria ad eternum. Este aspecto da finitude dos recursos naturais já havia sido destacada em 1972 com a divulgação do relatório “Os Limites do Crescimento” (ou Relatório Meadows) pelo Clube de Roma que, apesar de seus muitos equívocos, se constituiu em um alerta sobre a necessidade de se conter o uso indiscriminado dos recursos naturais e buscar alternativas sustentáveis para o suprimento destes recursos. No caso da produção de energia, estas questões conduziram à busca de melhores rendimentos para os sistemas que utilizam fontes fósseis e investimentos em P&D para as fontes renováveis.

A vertente ambiental associada ao uso energético do hidrogênio sempre fez parte dos argumentos a favor do uso deste gás, mas nos anos 70 este aspecto não se revestia de fundamental importância. De fato, um dos marcos da conscientização ambientalista, o Relatório Brutland (“Nosso Futuro Comum”), elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, só foi publicado em 1987, cerca de 10 anos após a “Crise do Petróleo”. A partir disso, uma série de fatos, estudos e conferências, que não cabe aqui serem detalhados, conduziram à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCED), na cidade do Rio de Janeiro – RJ, em 1992, também conhecida como a RIO-92. Um dos principais resultados desta conferência foi a Convenção de Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC), que conduziu ao Protocolo de Quioto, adotado na Convenção das Partes – 3 (Conference of Parties – 3, COP-3), realizada em Quioto, no Japão, em 1997.

O Protocolo de Quioto, ao fixar metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) para os países enquadrados no Anexo I da Convenção de Mudanças Climáticas e introduzir mecanismos de negociação de créditos de carbono, tornou-se um importante facilitador para a adoção de fontes renováveis de energia e também, indiretamente, da tecnologia e economia do hidrogênio, que aparece nesses casos como um vetor energético.

Entretanto, não houve consenso sobre as diretivas deste protocolo, de forma que alguns países não ratificaram este documento. Entre esses destaca-se os Estados Unidos, um dos grandes responsáveis pelas atuais emissões de GEE. A Resolução Byrd-Hagel, do senado americano, datada de 25 de julho de 1997, deixou claro que esta negativa foi motivada pelos interesses econômicos dos EUA, uma vez que a implementação do Protocolo de Quioto would result in serious harm to the economy of the United States (“resultaria em dano sério à economia dos Estados Unidos”)³.

Essa decisão conduziu o governo americano a buscar alternativas às premissas do Protocolo de Quioto para a redução das emissões de GEE, sem que estas alternativas significassem uma mudança importante no perfil de produção e uso dos recursos energéticos adotado pelos EUA. Com isso, o caminho final escolhido recaiu sobre o desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente aquelas que evitam a emissão dos GEE à atmosfera. A análise das alternativas americanas para o problema das emissões de GEE é de fundamental importância para se compreender a atual consideração quanto ao uso energético do hidrogênio. Neste ponto, é suficiente destacar que parte importante da estratégia americana passa pela “descarbonização” dos combustíveis fósseis, ou seja, pela extração do hidrogênio dos hidrocarbonetos fósseis e seu uso energético, principalmente em células a combustível, onde esse uso alcança suas maiores eficiências. Assim, tais conversores de energia se constituem na grande novidade tecnológica que deverá possibilitar o uso energético do hidrogênio.

  1. Esse texto faz parte da tese de doutorado de Ana Maria Resende Santos, defendida em fevereiro/2008 no Curso de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP, e foi revisado por Cristiane Peres Bergamini, jornalista.
  2. Em 1966 foi lançado o primeiro foguete Atlas-Centaur operacional utilizando hidrogênio líquido.
  3. Byrd-Hagel Resolution, 105th CONGRESS, 1st Session, S. RES. 98, IN THE SENATE OF THE UNITED STATES, July 25, 1997, in http://www.nationalcenter.org/KyotoSenate.html, em 08-09-06.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Debate Necessário sobre o Pré-Sal

Edmar de Almeida, Helder Queiroz e Ronaldo Bicalho
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ

As promissoras perspectivas do Brasil se tornar, na próxima década, um exportador líquido de petróleo a partir do desenvolvimento das jazidas encontradas na área do pré-sal, no pólo da Bacia de Santos, tiveram como principal conseqüência o início de um intenso debate sobre questões centrais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Evidentemente que o alcance e a dimensão do tema convidam para este debate, com toda razão, uma série de reflexões diferentes. Por um lado, a ampliação do interesse pelo tema é extremamente salutar. Por outro, é difícil não ocorrer o dilema da quantidade-qualidade: a multiplicação das opiniões veiculadas implica na necessidade de se filtrar adequadamente as análises criteriosas das defesas - legítimas - de interesses. E devemos recordar que este debate ainda se dá num regime de informação incompleta quanto aos volumes recuperáveis de petróleo e de gás e quanto à extensão e possível conexão de reservatórios nos diferentes blocos.

Importa destacar que o problema é novo e complexo. Apenas no pólo da Bacia de Santos, as primeiras estimativas permitem considerar, de forma conservadora, que o país passaria a deter reservas equivalentes às da Venezuela. A novidade e complexidade estão fundamentalmente associadas às formas pelas quais a União poderia exercer seus direitos constitucionais de propriedade das jazidas, nas áreas adjacentes aos blocos que já lograram sucesso.

O que parece consensual neste momento é que o regime atual de contratação, ancorado nos contratos de concessão, não fornece a segurança jurídica necessária aos diferentes operadores e à própria União, o que dificultaria a negociação e assinatura de um acordo de individualização da produção no pólo pré-sal da Bacia de Santos. A partir deste consenso, o embate de interesses e de idéias gira em torno de propostas que seriam centradas em i) mudanças marginais de adequação do marco legal, fiscal e regulatório; ou ii) alteração profunda do modelo vigente com a criação de novas instituições que pudessem dar conta da complexidade do problema.

A solução virá, como sempre, de um processo político negociado. Este é provavelmente o melhor problema que democracias que amadurecem podem ter. Trata-se de criar as condições para administrar a riqueza e não a escassez; e, além disso, permitir a construção de reflexões de longo prazo que transcendem o setor energético.

Por tais razões, independentemente do resultado do processo de negociação política, é essencial que o debate parta de premissas corretas. Neste sentido, acreditamos que o debate avançaria de forma mais objetiva se cinco pontos fossem considerados.

Primeiro, a taxação da renda petrolífera e dos derivados do petróleo se constitui, em todo mundo, uma fundamental fonte de arrecadação fiscal, inclusive nos países que são importadores líquidos. Desse modo, a direção correta do fluxo de recursos é da indústria para o Estado. Qualquer alternativa que vise inverter esta direção, fazendo com que o Estado e seus contribuintes injetassem recursos financeiros nos programas de investimentos, deveria ser descartada.

Segundo, a complementaridade entre empresas privadas e estatais, presentes ou potenciais entrantes, no setor, deveria ser preservada. A descoberta do pólo pré-sal é uma ilustração exemplar do resultado do processo de abertura que permitiu a formação de consórcios entre operadores que repartem riscos, custos e eventuais prêmios da exploração petrolífera.

Terceiro, as diretrizes governamentais deveriam buscar uma solução que minimize o tempo de desenvolvimento da produção. O pior dos mundos, na atual situação, seria a postergação da entrada em operação das novas jazidas decorrente de impasses jurídicos que prejudicassem o estabelecimento do acordo de individualização da produção. Isto significaria uma enorme perda financeira para as empresas e para o país, e poderia mergulhar o marco regulatório numa crise de credibilidade.

Quarto, com o país se tornando efetivamente exportador, o volume de receitas gerado implicará na necessidade de uma revisão cuidadosa dos mecanismos de controle social da indústria brasileira de petróleo e de gás. Isto passa pelo papel e missões da Petrobras na economia brasileira, bem como pelos critérios de arrecadação, repartição e uso das participações governamentais. Aqui, uma vez mais, será inevitável a negociação política entre as unidades da federação, empresas e União em torno da repartição da renda petrolífera.

Quinto e último, a sustentabilidade dos investimentos deve ser priorizada. Para tal, a decisão quanto ao ritmo de desenvolvimento da produção assume um caráter crucial. Neste primeiro momento, parece sensato não ir com toda sede ao pote. Se estiver correta a estimativa que, apenas no pólo pré-sal da bacia de Santos, seriam necessárias entre 40 e 50 plataformas, é possível afirmar que as restrições de capital, de equipamentos e de mão-de-obra qualificada tenderiam a encarecer sobremaneira os custos de produção. Além disso, a definição de um ritmo cadenciado de produção permitiria a incorporação, no tempo, dos benefícios advindos do processo de aprendizagem tecnológica, cujos desafios ainda são grandes. Ainda neste ponto, o escalonamento no tempo desse programa de investimentos tem impactos diretos na estrutura e nas modalidades de financiamento. Neste sentido, o desenvolvimento e a comercialização do petróleo e do gás das primeiras unidades de produção possibilitariam ampliar a capacidade de autofinanciamento das unidades seguintes, a partir da reinversão nos programas de investimento de uma parte das receitas da produção inicial do pré-sal.

Como visto, estas premissas são centrais e, a partir delas, é que deveriam ser desenhadas as alternativas de implementação de mudanças no marco regulatório e no regime fiscal. Isto poderia contribuir para eventualmente reduzir a amplitude das expectativas dos agentes quanto às mudanças que estão por vir. Como foi mencionado acima, o tema é novo, complexo e modificou as condições de contorno da indústria brasileira de petróleo e da própria economia brasileira. Não dá para sentar em cima do baú de interesses, assoviar e fingir que nada está acontecendo. O país necessitará de maturidade tecnológica, institucional e política para lidar com o melhor problema econômico que já teve nas mãos. Para isto terá que se preparar para as mudanças e eventuais rupturas. Isto não será nenhum pecado, tampouco original.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O Brasil irá contrair o mal holandês?

José A. Scaramucci, Diretor-Presidente da AB3E
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE)
Unicamp

Gostaria de voltar ao interessante tema trazido a esse espaço de discussão pelos colegas Edmilson dos Santos e Paul Poulallion: o paradoxo da abundância.

É conhecido que muitos países ricos em recursos naturais podem ser acometidos de uma nefasta doença. Congo, Nigéria, Venezuela e Bolívia, entre outros, são países freqüentemente citados como vítimas da chamada “maldição dos recursos naturais”, com sintomas que variam desde desempenho econômico decepcionante até falhas sérias das instituições. Os níveis de corrupção tendem a ser elevados. Como ilustrado por Jann Lay e Toman Omar Mahmoud, do Instituto Kiel de Economia Mundial, em “Bananas, Oil, and Development: Examining the Resource Curse and Its Transmission Channels by Resource Type” (Kiel Working Paper No. 1218, 2004):

Being confronted with criticism regarding corruption and plunder under the Marcos regime, Imelda Marcos, widow of the former Indonesian dictator, claimed that descriptions of her prodigious shoe collection were grossly exaggerated. ‘I did not have 3,000 pairs of shoes, I had 1,060’.

Mas outros países que têm nas exportações de recursos parte importante de suas economias conseguem se sair melhor. Exemplos são os Emirados Árabes Unidos – que devota boa parte das receitas de exportações em investimentos em infra-estrutura moderna e educação – e Botswana, que consegue traduzir as riquezas de seus diamantes em serviços de educação e crescimento econômico. Ambos esses países teriam conseguido transformar a maldição em bênção. A conferir.

E o Brasil, país tropical “abençoado por Deus e pela natureza”, estaríamos nós imunes?

O Brasil se prepara para se tornar importante ator global em energia. Os esforços para superar os choques do petróleo da década de 1970 levaram os setores agrícola e industrial da cana-de-açúcar do Brasil a experimentar um grande desenvolvimento tecnológico com enormes ganhos de produtividade. Um êxito inegável do Proálcool foi exatamente o de promover sinergias, aliando competências técnicas de importantes indústrias – automobilística, combustíveis e bens de capital – e instituições de pesquisa, sempre com o apoio continuado de organismos governamentais em diversas áreas – tecnologia, política industrial, planejamento energético, agricultura, entre outras –, para realizar uma das poucas iniciativas de inovação de alcance global já ocorridas no Brasil. Com investimentos pesados em tecnologia e sem economizar em prospecção, a Petrobras se mantém no mundo todo como símbolo de boa gestão, uma exceção entre as chamadas empresas nacionais de petróleo. E agora não se fala outra coisa senão sobre as recentes descobertas do subsal, que aqui no Brasil recebeu o equivocado título de “pré-sal” – equivocado, ao meu ver, pois coloca a questão das descobertas sob o ponto de vista do próprio petróleo ao invés de manter a perspectiva da sociedade brasileira, essa sim situada sobre as águas, no pré-sal. Mas isso é outra história.

Gostaria de fazer um recorte – afinal, blogs nada mais são que uma coleção de recortes – sobre o caso dos biocombustíveis. Em recente trabalho com colegas do Centro de Estudos de Políticas (CoPS) da Universidade de Monash, Austrália, usamos um modelo computável de equilíbrio geral para quantificar e decompor os impactos econômicos da ampliação em larga escala da produção de etanol no Brasil. Bem antes da polêmica envolvendo biocombustíveis e segurança alimentar ter ganho tanto interesse nos meios de comunicação, queríamos entender se o crescimento expressivo das vendas de álcool carburante – para usar um termo antigo – poderia comprometer a produção de alimentos a longo prazo no Brasil. Outra questão era: dá na mesma usar o álcool no mercado interno ou os efeitos seriam diferentes se ele é exportado? Usamos como referência para as simulações um cenário proposto pela Unica a respeito do uso doméstico e exportações de etanol em 2020. As conclusões são interessantes, às vezes até surpreendentes.

O debate sobre a indústria de etanol no Brasil tem colocado excessiva ênfase nas possibilidades de exportação. Entretanto, as simulações sugerem que será a demanda doméstica a influência determinante na economia brasileira, ao menos até 2020. A razão para isso é simples. As exportações de etanol correspondem a uma fração muito pequena do produto brasileiro. Além disso, o comércio exterior representa pouco – apenas cerca de 8% do PIB do Brasil. Por outro lado, fazer previsões sobre o mercado de etanol implica avaliar também o que será feito da gasolina que eventualmente irá sobrar. Isso nem sempre é feito, embora possa parecer óbvio. Obviamente, a gasolina excedente irá ser exportada e isso terá impactos econômicos. As simulações indicam que essa espécie de efeito indireto do mal holandês será muito mais importante que as mudanças estruturais trazidas pelas exportações de etanol.

Tornou-se comum recentemente atribuir aos biocombustíveis o papel de vilão pelo desmatamento. Mas a conversão da terra usada em outras atividades agropecuárias seria bem pequena – menos que 2% –para acomodar a expansão da produção de etanol prevista pela Unica (65,3 bilhões de litros de álcool combustível seriam produzidos em 2020).

Os impactos causados por mudanças no uso da terra são mais diretos e, portanto, mais fáceis de entender. Mais áreas agriculturáveis passam a ser ocupadas com cana-de-açúcar, causando um aumento nos preços da terra e, por conseqüência, nos custos de produção dos setores que produzem alimentos. Portanto, ocorre uma diminuição na oferta de alimentos.

Mas a apreciação da moeda brasileira afetará a produção de alimentos tanto quanto as mudanças no uso da terra. A cadeia de causalidade funciona assim. Quando o Brasil passa a exportar um grande volume de gasolina sob condições de demanda perfeitamente elástica (pode-se supor que o Brasil pré-pré-sal não seria capaz de influenciar os preços internacionais dos combustíveis fósseis), então é possível reduzir as exportações de outras coisas que têm maior poder de mercado. Isso significa um aumento nos termos de troca e a conseqüente apreciação da taxa real de câmbio. Setores econômicos expostos ao comércio internacional – que produzem os chamados bens transacionáveis (tradables), alimentos, inclusive – tendem a se retrair. Esse é o efeito do mal holandês.

O uso de um modelo computável de equilíbrio geral para analisar mudanças estruturais é conveniente, pois permite, entre outras coisas, decompor os impactos das diversas forças atuando ao mesmo tempo em todo o sistema econômico. Nesse caso, as simulações mostram que as mudanças do uso da terra e do mal holandês têm aproximadamente o mesmo efeito na oferta de alimentos.

Os detalhes do estudo podem ser encontrados em http://www.monash.edu.au/policy/ftp/workpapr/g-169.pdf.

Volto futuramente para discutir os impactos regionais. Cabe já adiantar que alguns estados – como o Rio de Janeiro – irão perder com a substituição em ampla escala de gasolina por etanol no mercado doméstico.


sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Um novo maná ?

Mario O. Cencig (cencig@unicamp.br)
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE)
Unicamp

Achei muito interessantes as análises sobre os recursos pré-sal de petróleo e queria contribuir olhando a questão de um outro ângulo, resumindo o paper Peak Oil in Brazil: an Attempt, que apresentei em junho deste ano na conferência ECOS 2008, realizada na cidade de Krakow, na Polônia [1].

A idéia básica é que um recurso natural “finito” tem hora para acabar, ainda que não se conheça qual é essa hora, já que a sua continua utilização vai provocar (mais dia menos dia) seu esgotamento. Este é o caso dos combustíveis fósseis, particularmente do petróleo e do gás natural, pilares do suprimento energético mundial, motivo pelo qual a pergunta “quanto petróleo e gás natural nós temos?” está no centro das preocupações de inúmeros governos, empresas, organizações e centros de pesquisa no mundo todo, e cuja resposta depende de quanto petróleo nós sejamos capazes de achar e extrair, e da velocidade com que o consumimos (obviamente não levo em conta a sua velocidade de formação).

Esta questão vem sendo estudada de maneira mais sistemática há quase meio século, sendo pioneiro o trabalho de Hubbert [2] sobre os campos petrolíferos de EUA nos anos 60-70, quem elaborou o conceito de peak oil (ou pico na produção de petróleo) e “acertou na mosca” na sua aplicação aos 48 campos de petróleo do país, prevendo que esses picos aconteceriam em 1970 para o petróleo e em 1973 para o gás natural. Esses estudos foram retomados por Campbell [3] nos anos 90 e atualmente há (pelo menos) uma dúzia de ASPO (Association for the Study of Pek Oil) em diferentes países acompanhando essa questão [4, 5].

O “ciclo vital” de um recurso finito apresenta uma etapa inicial na qual as atividades tomam corpo de maneira tímida, se consolidam e crescem rapidamente em função dos benefícios que oferece a sua utilização, passam pelo seu auge (a “época de ouro”) e entram em declínio assim que as dificuldades técnicas e econômicas para sua exploração aumentam (refletindo o seu “esgotamento”), isto é, a relação custo/benefício se torna cada vez mais desfavorável. A tradução matemática deste comportamento é a curva sigmóide para a produção acumulada, e a curva tipo gaussiana para a velocidade de produção, na qual aparece o pico ilustrado que indica o momento em que mais ou menos a metade dos recursos já foi aproveitada (metade da área embaixo da curva).


Os dados da PETROBRAS [6] registram uma produção de petróleo que parte de 2.662,9 barris/dia em 1954 (971.958 barris/ano) e atinge 1,72 milhão barris/dia (unos 629,1 milhões barris/ano) em 2006, totalizando de lá para cá uma produção acumulada de uns 8,9 bilhões de barris (mais precisamente 8.902.630.786 barris de petróleo) até dezembro de 2006, segundo o BEN 2007. Em agosto de 2008 a produção no país foi de 1,88 milhão barris/dia de petróleo e 52,7 milhões m3/dia de gás natural.

Por outro lado, o Balanço informa que na mesma data, as reservas de petróleo “medidas-inventariadas-provadas” são de 12,2 bilhões de barris (12.155.599.244 barris) e as reservas “estimadas-inferidas” são de 6 bilhões de barris (5.980.446.997 barris), totalizando 18,2 bilhões de barris de petróleo.

As estimativas para o Brasil publicadas [7] referem-se à relação “Reservas/produção” (R/P) e indicam um valor atual de 19-20 anos, em decréscimo para os próximos anos.

Obviamente, depois das recentes descobertas do pré-sal em Tupi (6-8 bi), Júpiter (6-8 bi), Carioca (25-40 bi), Guará,... a situação mudou [8, 9], e as estimativas apontam a possibilidade de uns 50 bilhões de barris de petróleo, com informações de que a produção da Petrobrás na área de pré-sal poderia atingir 1,26 milhão barris/dia de petróleo e 53 milhões m3 de gás natural para 2017. Isto é, Brasil passaria a fazer parte do grupo dos grandes produtores de petróleo e tornar-se-ia um exportador do mesmo.

Assim, com um modelo simples foram construídos vários cenários utilizando a expressão onde

P = Po exp (– Y²), onde: Y = ( n – no )/α

sendo P o valor da produção anual (velocidade de produção, em barris/ano) para o ano n, no o ano em que acontece o máximo dessa produção, Po o valor máximo e α um parâmetro de ajuste da curva.


A figura ilustra os cenários, mostrando como na medida que a quantidade das reservas (área embaixo da curva) aumenta, o ano de pico se desloca para direita e o pico de produção sobe, assim como o fim da curva (o ano em que “acabaria o petróleo”) se desloca para direita. A tabela traz os valores calculados para cada situação imaginada.



Como informação adicional, a capacidade instalada de refino das 11 refinarias da Petrobrás que operam no país é de 1.986.000 barris/dia, sendo que em 2006 foram processados 1.746.000 barris/dia, indicando um fator de utilização de 87,9%; considerando as 5 refinarias da Petrobrás no exterior (duas na Argentina, duas na Bolívia, e uma nos EUA), a capacidade instalada vai para 2.227.000 barris/dia e o volume processado em 2006 foi de 1.940.000 barris/dia (um fator de utilização de 87,1%). Como é previsível (num cenário mais corriqueiro) que a demanda de derivados de petróleo continue aumentando e, também, que seja mantido o objetivo da auto-suficiência, haverá que aumentar a capacidade instalada, mais ainda se a proposta fosse exportar também derivados, além do petróleo.

É óbvio que a evolução efetiva da produção/processamento nos próximos anos depende de decisões político-institucionais que levarão em consideração aspectos técnicos, econômicos e geopolíticos, conforme a visão estratégica que foi/é/será planejada para a inserção do país no cenário internacional.

REFERÊNCIAS

[1] CENCIG, M.O, Peak oil in Brazil: an attempt, Proceedings ECOS 2008 – 21st International Conference on Efficiency, Cost, Optimization, Simulation and Environmental Impact of Energy Systems, June 24-27, 2008, Kraków, Polônia, Volume 3 (1349-55).

[2] HUBBERT, M.K. Nuclear Energy and the Fossil Fuels, presented before the Spring Meeting of the Southern District, American Petroleum Institute, Plaza Hotel, San Antonio, Texas, March 7-8-9, 1956.

[3] CAMPBELL, C.J. The imminent peak of world oil production, presentation to a House of Commons All-Party Committee on July 7th, 1999, presentation available for download at www.hubbertpeak.com/campbell/commons.htm, accessed on 5/12/2007.

[4] ASPO (Association for the Study of Peak Oil & Gas), site www.peakoil.net.

[5] HUTTER, F. Peak Oil Depletion & Energy Issues, available at www.trendlines.ca/energy.htm, accessed on 5/12/2007.

[6] Ministry of Mines and Energy / EPE. Brazilian Energy Balance 2007, Rio de Janeiro, Brazil, 60 pages, 2007.

[7] Ministry of Mines and Energy / EPE, Ten-Year Energy Expansion Plan 2007/2016, Brasília, December 2007.

[8] Informação publicada pela Agência de Notícias da Petrobrás em 11/08/2007. Disponível em www.agenciapetrobrasdenoticias.com.br/en_materia.asp?id_editoria=8&id_noticia=4042, acessada em 5/12/2007.

[9] BERMAN, A. What’s new in exploration, WorldOil Magazine, Feb 2008.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Um panorama sobre os desafios da energia

Edmar L. F. de Almeida (edmar@ie.ufrj.br) e Ronaldo Bicalho (bicalho@ie.ufrj.br)
Grupo de Economia da Energia (GEE)
Instituto de Economia, UFRJ

O professor João Lizardo de Araujo dedicou mais de quarenta anos ao ensino e a pesquisa, a maior parte na Universidade Federal do Rio de Janeiro – inicialmente na COPPE e depois no Instituto de Economia – e sobre o tema energia.

Pouco tempo antes de falecer, já como diretor do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (CEPEL) da Eletrobrás, João Lizardo deu uma longa entrevista ao Jornal da UFRJ, de junho de 2008, na qual traçou um amplo panorama sobre os grandes temas envolvendo a energia no Brasil e no mundo.

O aquecimento global e as energias limpas

É uma questão ampla, mas um dos entraves passa pela razão do custo. Com exceção da hidrelétrica, as energias limpas ainda são caras, embora os preços estejam caindo. Por exemplo, a energia fotovoltaica (solar), que já está bem desenvolvida é, recorrentemente, anunciada pela indústria como futura competidora com as outras. Durante todo o tempo eles dizem que daqui a cinco anos isto vai acontecer, e nunca acontece. Nos Estados Unidos, lugar mais barato para a compra desta energia, se paga cerca de 200 dólares por um Megawatt-hora (MW/hora). Na Europa, este valor gira entre 300 e 700 dólares. Outro ponto, é que se baseou todo um esquema produtivo montado sobre os combustíveis fósseis. É uma acumulação histórica, não será fácil esta conversão para outras fontes. Mesmo na Europa houve uma inversão com o sistema rodoviário predominando sobre o transporte ferroviário.

Biocombustíveis e segurança alimentar

O biocombustível dos Estados Unidos é o responsável pela alta nos preços dos alimentos no mercado mundial. Eles produzem etanol a partir do milho, em uma cadeia intensiva e com a utilização de toneladas e toneladas de uma matéria-prima originalmente destinada ao consumo humano e à ração animal. O que houve foi que o biocombustível brasileiro tornou-se vítima de uma contaminação internacional. Mas, no momento em que misturam indiscriminadamente todos os biocombustíveis, há uma pressão para o favorecimento de combustíveis fósseis. No Brasil, o que pode funcionar são os biocombustíveis, mas para o resto do mundo é complicado. Em nações com pouco território, isto pode significar um erro. Somos um raro caso, pois temos áreas disponíveis para plantações de cana-de-açúcar, sem forçar a elevação dos preços dos alimentos.

O papel da conscientização da população

O mais preocupante é exatamente o problema do aquecimento global. Precisamos atacar este perigo e resolvê-lo. As campanhas podem ser úteis para conscientizar, mas precisam vir junto com políticas de pesquisa e desenvolvimento e de eficientização, ou seja, melhor conservação de energia. Neste ponto, também precisamos caminhar sobre duas pernas, estimulando a introdução de tecnologias mais eficientes junto com a conscientização da população.

A exploração da Amazônia

Este tema me toca, pois sou amazonense, tenho uma relação afetiva com a floresta e a água. O meu pai era diretor de uma escola agrícola a 11 km de Manaus (AM), onde passava férias numa infância idílica, com direito a mergulhos no rio Negro. Vim embora aos 14 anos e nunca mais retornei para guardar as boas memórias, mas o que li em relatórios e no livro de Milton Hatoum Cinzas do Norte, (Companhia das Letras, 2005), que narra o que aconteceu com os arredores de Manaus por conta da implantação da Zona Franca, já me agonizaram e horrorizaram o suficiente. Agora, assusta-me a concepção de preservação como uma redoma. Por esta idéia é como se fossemos manter na pobreza uma enorme parte da população. Acredito em sustentabilidade, que pode ser equacionada com muita vontade e trabalho, além de enorme esforço de pensamento e ação.

Sustentabilidade e exploração irracional de recursos

Toda palavra pode ser mal usada e qualquer termo, por mais bonito que seja, pode esconder uma prática diferente do discurso. É o caso da responsabilidade social que se tornou um jargão na linguagem empresarial, mas que se encontra longe de ser uma ampla realidade. Apesar disso tudo, sustentabilidade ainda permanece como um conceito importante e não se pode perdê-lo do horizonte.

As hidrelétricas da Amazônia

Vai haver impacto sempre, seja qual for o tipo de fonte de energia. Na Amazônia é viável a construção de hidrelétricas que, com melhores desenhos (arquitetura), podem oferecer menos danos. Hoje, elas podem ser bem planejadas e geridas com a adoção de medidas para oferecer o mínimo impacto. Nos Estados Unidos, há pesquisas para desenho, em usinas de baixa queda, das chamadas “turbinas amigáveis” que não colocam em risco a vida dos peixes, pois não são de alta rotação. As hidrelétricas são fonte mais barata de energia. No Brasil, 1 MW/h custa entre 25 e 45 dólares e quem tem o maior potencial dessa fonte são países em desenvolvimento. Nosso país, por exemplo, aproveitou apenas 28% desta capacidade e o continente africano 7%, somente.

As resistências à construção das novas hidrelétricas

Se o Brasil não construir essas hidrelétricas, teremos mais centrais térmicas a carvão, que são mais poluentes, e ainda pagaremos muito mais caro pela energia. Não vejo riscos de um novo apagão, o que há hoje é uma enorme dificuldade para se tocar projetos de energia. A questão do licenciamento vem melhorando, porém, ainda faltam critérios mais claros. Além disto, qualquer obra pode ser embargada indefinidamente pela Justiça. Principalmente o Ministério Público deveria ter um sistema mais criterioso para fazer estes pedidos. Não sei o que há, mas as pessoas estão açodadas por uma febre de embargos, alguns inclusive sem base técnica. Chegou a um ponto que queriam impedir até um parque de energia eólica (ventos) no Ceará, felizmente, a justiça negou o pedido. A impressão é que param tudo e depois se lembram de pedir os laudos. Afinal, em regra, antes de se iniciar uma obra já foram feitos muitos estudos e análises. Quanto à questão indígena, é preciso uma compensação. Há uma experiência no Canadá, onde os índios recebem parte da receita gerada pelas hidrelétricas. Em nenhum lugar do mundo, o território é tão exclusivo como aqui no Brasil.

A diversidade energética brasileira

No momento, o país não pode descartar nenhuma fonte de energia. O ideal é que se atue em um sistema. No litoral do Nordeste, há os ventos alíseos que são constantes e oferecem um padrão fora-de-série à energia eólica. No chamado Polígono das Secas, existe um fantástico potencial para energia solar. Na Região Norte, as hidrelétricas de baixa queda. No Centro-oeste, os biocombustíveis. No Sudeste, o petróleo enquanto existir. No Sul, as termelétricas de carvão, que não deveríamos usar por emitirem CO2, e a eólica que nesta área está sujeita a surtos e paradas repentinas dos ventos, mas ainda assim são importantes como capacidade complementar em um sistema. Enfim, temos condições naturais favoráveis, mas enormes desafios tecnológicos pela frente. Um deles, a criação de métodos mais eficazes para a previsão de ventos. Esta é uma área que ainda engatinha em todo o mundo.

A energia nuclear

Não pode ser prioritária, mas também é uma opção útil e não pode ser descartada, especialmente porque temos muito urânio disponível. Os argumentos técnicos apresentados em favor da energia nuclear apresentam fundamentos. Os novos desenhos procuram ser mais seguros e eficientes. Contudo, a questão dos resíduos ainda “pega” e a operação dessas usinas necessita de equipes muito bem preparadas. Foi por um erro operacional que aconteceu a tragédia de Chernobyl (acidente nuclear, em 1986, na antiga União Soviética que expôs mais de oito milhões de pessoas à radiação). Por outro lado a França, que possui diversas usinas, nunca teve qualquer problema. É preciso ter um leque de opções e a nuclear também está entre as energias que poderão funcionar complementarmente.

Os Estados Unidos e o aquecimento global

Nesta luta contra o aquecimento global, ainda falta o engajamento dos Estados Unidos. O atual presidente, George W. Bush, simplesmente não quis saber da questão do meio ambiente. Como o mandato dele está terminando, quem sabe isso não vá se reverter no futuro. Numa possível eleição de Barack Obama, talvez as chances de mudança sejam maiores. Eles deveriam acabar com o etanol baseado no milho, passando a produzir biocombustível a partir de resíduos de celulose.

As metas de redução das emissões

Estamos longe de alcançá-las e, além de fontes limpas e renováveis, precisamos resolver dois pontos chaves: reduzir o consumo de energia e investir na captura e armazenamento do carbono através de filtros que retenham os gases que provocam o efeito estufa, levando-os para depósitos subterrâneos. As usinas de carvão precisam adotar estes mecanismos. A China, por exemplo, consome carvão em larga escala e está ambientalmente uma “droga”, inclusive já ultrapassou os EUA como maior poluidor mundial. O seu caso é até compreensível, porque existe uma enorme parte da população na pobreza e o país precisa crescer. Agora, se os EUA adotam medidas para reduzir os gases do efeito estufa, os chineses vão se sentir constrangidos e talvez possam participar desta luta global. Mais difícil do que investir e desenvolver tecnologia é conter a expansão de carros e caminhões. Não podemos caminhar mais para o modelo tradicional de um automóvel para cada habitante do mundo. Se a gente continuar nesse crescimento, e com este estilo de vida, não sei se haverá saída. Não há solução geral. Quando se fala, na área de energia, em médio prazo, isso representa várias décadas.

O futuro

A Terra recebe uma radiação solar que equivale dez mil vezes ao atual consumo de energia da humanidade. Há potencial energético e, mais à frente, daqui a um século, vislumbro a expansão da energia solar como fonte predominante, com todos os veículos sendo movidos a hidrogênio. Podemos ter esperança desde que não aconteçam políticas equivocadas pelo meio do caminho.

A cobrança pela mudança no marco legal do petróleo

A descoberta do pré-sal mudou totalmente a posição da Petrobras. O valor da empresa saltou da 14ª colocação para as primeiras posições no mercado. O cenário era diferente do atual e vejo esta cobrança como legítima.

As agências reguladoras

Elas funcionam razoavelmente e necessitam de constante supervisão para atuaram direito. Essa idéia de que elas precisam ser totalmente independentes é uma concepção neoliberal, lá do Consenso de Washington (conjunto de medidas econômicas ditadas, em 1989, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial). As agências podem ter autonomia, mas não podem se desvincular da política energética de governo. No setor elétrico, de vez em quando surgem denúncias de influência governamental, mas se observarmos de perto, percebe-se que, na maioria das vezes, são ações para baixar tarifas que haviam sido aumentadas em excesso.

A dependência dos Royalties

Não garantem vida longa, embora o petróleo ainda deva existir por décadas. Se os municípios não se prepararem para as “vacas magras”, vai acontecer o que ocorreu no século XIX, com as cidades do Vale do Paraíba, no Sul fluminense, quando o ciclo econômico do café ruiu e junto com ele inúmeras cidades.

As pesquisas do Cepel

O Cepel é o maior centro de pesquisas elétricas da América Latina. É mantido basicamente pelo Sistema Eletrobrás e dá atenção às suas necessidades. Mas seus trabalhos beneficiam todo o setor elétrico brasileiro. Há várias pesquisas em andamento. Um exemplo são os medidores eletrônicos centralizados, com patente internacional do Cepel, fabricados pela Siemens sob licença e adotados pela Ampla Energia e Serviços S.A. Quanto às pesquisas em desenvolvimento, estamos implantando um Laboratório de Ultra-altas Tensões, com financiamento da Agência Financiadora de Projetos (Finep) e da Eletrobrás, para o desenho das linhas de transmissão da Amazônia, em que deveremos ter várias colaborações com a universidade. Ainda em hardware, participamos de uma pesquisa cooperativa acerca de células a combustível usando etanol. Em software, há três destaques: planejamento (energético de longo prazo, operação energética em médio e curto prazo), operação elétrica e controle do sistema. Em planejamento de longo prazo há o MELP (Modelo da Expansão da Geração de Energia Elétrica em Longo Prazo), utilizado pela EPE (Empresa de Planejamento Energético) e pelo Ministério de Minas e Energia (MME) na elaboração do Plano 2030. No planejamento da operação há a família Newave, hoje em sua 13ª versão, todas validadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e usada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e pelo MME. Esta se mantém na fronteira do conhecimento graças a constantes interações com as universidades, nacionais e internacionais. Na operação elétrica, o Brasil pode orgulhar-se de ser o único país em desenvolvimento a ter uma cadeia completa de software para operação, análise da estabilidade e recomposição do sistema de nível internacional, inclusive com vendas e licenciamentos para países do Primeiro Mundo; aqui, também, mantemos constante colaboração com a universidade. Finalmente, no que diz respeito ao controle, o Cepel desenvolveu o Sage (Sistema Aberto de Gerenciamento de Energia), que permitiu ao setor elétrico brasileiro libertar-se dos pacotes de vendedores de equipamentos; trata-se de um sistema aberto, flexível e modular que está em permanente evolução.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Ainda abaixo do sal

Felipe Augusto Dias (fdias@ibp.org.br)
Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP)

Em momento de escassa originalidade, trago a este fórum mais algumas reflexões sobre o nosso bem e mal dos últimos tempos, as recentes descobertas do pré-sal. Antes de mais nada, estendo a mão à preocupação trazida pelos colegas Edmilson e Paul no que concerne aos danosos efeitos que a concentração econômica em torno de grandes dotações de um recurso natural pode causar. O fenômeno conhecido por Doença Holandesa refere-se, essencialmente, à forte apreciação cambial que advém das exportações do setor dominante, afetando a competitividade dos demais setores da economia. Mas vamos deixar este tema, essencialmente macroeconômico, para um outro momento.

Neste momento, volto à questão do modelo de regulação; do modelo de exploração desta riqueza que será adotado pelo Estado brasileiro. Alguns desdobramentos recentes desta discussão, como a possível criação de uma nova estatal e o encantamento com o modelo norueguês, têm sido de difícil entendimento. O país de uma pequena população com alto índice de desenvolvimento humano e de reconhecida maturidade institucional enfrenta dificuldades com a operação de um sistema de tal ordem discricionário. Contratos com empresas privadas são negociados caso a caso, em salas fechadas, para que o Estado obtenha o melhor resultado possível com a exploração dos recursos. Estaria garantido, no mínimo, o sucesso da imprensa.

Mas o tema que me ocorre é a já velha discussão sobre a propriedade do óleo produzido. A criação de uma nova estatal, que representaria os interesses do Estado em contratos de partilha da produção, expressa, acima de tudo, um entendimento de que os atuais contratos de concessão cometem o pecado capital de entregar ao operador e seus sócios a propriedade do recurso extraído. Parece chover no molhado, mas de fato interessa ao governo apropriar-se da máxima parcela da renda produzida que não inviabilize o negócio. E, indo além, aplicar adequadamente estes recursos.

A garantia de contar com o óleo necessário para atender à estratégia de tornar-se um exportador de derivados, a partir de refinarias Premium em plataformas de exportação no Nordeste do país, pode ser equacionada de diferentes maneiras. Parece uma forma encontrada ao longo da viagem para justificar uma idéia pré-definida. A recorrente história do rabo que balança o cachorro.

Me pergunto então que razões nos trazem de volta a esta questão. Que razões outras que os velhos vícios estatizantes, protecionistas, e a incapacidade de compreender o papel do setor público. Ou melhor, pergunto a vocês...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Reservas do Pré-sal... Uma maldição para o Brasil? (1ª Parte)

Edmilson Moutinho dos Santos (edsantos@iee.usp.br)
Instituto de Energia e Eletrotécnica, USP

Paul Poulallion (ppoulallion@sinde.com.br)
SINDE - Sinergia e Desenvolvimento Ltda.

Revisitando o tema da Síndrome Holandesa para o Brasil Pós-pré-sal

Devido ao súbito acesso a enormes riquezas naturais, muitos países são submetidos à chamada Síndrome (ou Doença) Holandesa. Tal conceito foi reconhecido pela revista “The ECONOMIST” em 1977, analisando os sintomas de uma crise econômica estrutural que ocorria no Reino Unido após o aumento dos preços do petróleo de 1973 e as descobertas de petróleo e gás natural no Mar do Norte. O economista Lauro Vieira de Faria, da FGV-RJ, publicou um estudo desse fenômeno inglês na revista “Conjuntura Econômica” da FGV, em agosto de 1984, no caderno “Perspectivas Internacionais”, com o titulo “Quando a riqueza atrapalha”. Neste trabalho, o autor procurou demonstrar que o colapso da produção industrial e do emprego na Grã Bretanha dos anos 1970 esteve diretamente relacionado aos efeitos da produção offshore de petróleo. Tal situação conduziu ao profundo processo de reestruturação econômica introduzido posteriormente pelo governo conservador de Thatcher.

Alguns economistas tais como Gregory, em 1976, W. Max Corden, 1982 e J. Peter Neary, ??, desenvolveram trabalhos procurando melhor compreender o fenômeno da Síndrome Holandesa (e tentar propor remédios para ele). Trata-se do chamado “paradoxo da riqueza”, isto é, um conjunto de efeitos negativos gerados pela expansão de um setor econômico dominante, quase sempre associado à produção de uma riqueza natural, que conduz à contração, e até mesmo a destruição, dos demais setores de produção de bens intercambiáveis. O petróleo tem sido o principal foco de investigações (como as de Collier e Hoffler, 2002).

A Doença Holandesa resulta entre outros da concentração financeira e do poder que um único setor, ou uma única região, em detrimento do resto do país, tem de atrair as capacidades gerenciais, de trabalhadores formados e, sobretudo, da alta inteligência disponível na comunidade nacional. Tais recursos de difícil multiplicação tornam-se escassos e seu acesso torna-se mais difícil para os demais setores da economia. Tal situação quase sempre conduz a perdas de produtividade e competitividade para esses setores e o país torna-se cada vez mais dependente do sucesso do setor dominante.

Além disso, o setor dominante precisa ser financiado antes de poder gerar riquezas. Em países onde tal financiamento não pode ser realizado através de poupança interna, torna-se necessário promover um grande afluxo de investimentos externos. A moeda doméstica tende a apreciar-se em relação às moedas externas e a taxa de câmbio torna-se desfavorável para a atração de novos investimentos ou a promoção de exportações dos demais setores da economia. Por fim, o setor dominante adquire um papel tão central para o futuro econômico, social e político da nação, que seu maior controle pelo Estado torna-se inevitável. Assim, o próprio setor dominante gradualmente contamina-se pela força destrutiva da maior intervenção estatal, além de perder transparência e passar a ser o principal foco de corrupção.

Assim, a Síndrome Holandesa, em um viés puramente econômico, pode ser explicada pela ação conjunta de dois efeitos muito significativos:
  • Efeito movimentação de recursos: o boom no setor extrativista eleva a produtividade dos fatores lá empregados, drenando recursos de outros setores da economia.
  • Efeito-despesa: a elevação da renda real e a maior obtenção de divisas valorizam o câmbio resultando em diminuição das exportações tradicionais e aumento de importações.
Como resultado:
  1. A produção e o emprego crescem no setor extrativista e decrescem nos setores manufatureiros tradicionais;
  2. Os preços dos bens não transacionáveis no exterior crescem em relação aos dos transacionáveis;
  3. Aumenta o salário real, medido em termos dos bens transacionáveis.
O Mal Holandês que alguns países experimentam acidentalmente e por um período reduzido de tempo, infelizmente parece ser uma endemia no Brasil. Devido a suas riquezas naturais, o Brasil parece permanentemente submisso aos efeitos da Síndrome Holandesa. Assim foram as eras do Ouro (Ouro Preto), do café (São Paulo), da borracha (Manaus), do aproveitamento das águas através da construção de grandes barragens (com destaque para Itaipu e Tucuruí), dos minerais (Carajás) da agropecuária (sul e centro), do petróleo (Rio de Janeiro), da bioenergia (centro alcooleiro), e de tantos outros que nos parecem reservados no futuro.

Lauro Vieira de Faria apresentou em seminário da ENERJ, no Rio de Janeiro, em 2006, um estudo denominado “Energia e Recursos Naturais: Produzir ou Consumir?”. Nesse estudo, o autor compara o desempenho econômico do estado do Rio de Janeiro em relação ao do Brasil. Para diferentes cenários de preço do petróleo, o RJ quase sempre desempenha pior do que o resto do Brasil. A única exceção ocorre nos períodos de grande elevação do preço do petróleo. Nesses casos, a produção de óleo impulsiona o crescimento econômico. Tais conclusões parecem evidenciar-se através de diversas publicações em jornais que mostram dados comparativos de desenvolvimento humano entre os municípios do estado do Rio de Janeiro e de outras regiões do Brasil (vide, por exemplo: O Globo de 20 de novembro de 2005, “Petróleo cria pobres municípios ricos no Rio”).

Em resumo, análises objetivas da historia do Brasil mostram que o país sempre esteve muito vulnerável aos efeitos da Síndrome Holandesa, assim como aconteceu em outros países como a Holanda, a Grã Bretanha, a Austrália, a Espanha e a Nigéria, bem como diversos países africanos. Parece tratar-se de uma endemia com as marcas permanentes no Brasil:
  • Variação da taxa de câmbio; volatilidade dos termos de trocas, desvalorização ou apreciação da moeda nacional;
  • Destruição das estruturas de produção; desindustrialização; perdas de competitividade por manque de acesso às tecnologias novas;
  • Degradação dos sistemas de educação, saneamento básico, saúde, habitação popular;
  • Degradação das infra-estruturas, estradas, ferrovias, portos, hidrovias;
  • Baixa qualidade das instituições; corrupção, violência, marginalização de sectores da população.
Dentro desse quadro, convidamos os amigos leitores a refletirem sobre o tema do nosso título, ou seja: RESERVAS DO PRESAL... UMA MALDIÇÃO PARA O BRASIL?