sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Um novo maná ?

Mario O. Cencig (cencig@unicamp.br)
Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE)
Unicamp

Achei muito interessantes as análises sobre os recursos pré-sal de petróleo e queria contribuir olhando a questão de um outro ângulo, resumindo o paper Peak Oil in Brazil: an Attempt, que apresentei em junho deste ano na conferência ECOS 2008, realizada na cidade de Krakow, na Polônia [1].

A idéia básica é que um recurso natural “finito” tem hora para acabar, ainda que não se conheça qual é essa hora, já que a sua continua utilização vai provocar (mais dia menos dia) seu esgotamento. Este é o caso dos combustíveis fósseis, particularmente do petróleo e do gás natural, pilares do suprimento energético mundial, motivo pelo qual a pergunta “quanto petróleo e gás natural nós temos?” está no centro das preocupações de inúmeros governos, empresas, organizações e centros de pesquisa no mundo todo, e cuja resposta depende de quanto petróleo nós sejamos capazes de achar e extrair, e da velocidade com que o consumimos (obviamente não levo em conta a sua velocidade de formação).

Esta questão vem sendo estudada de maneira mais sistemática há quase meio século, sendo pioneiro o trabalho de Hubbert [2] sobre os campos petrolíferos de EUA nos anos 60-70, quem elaborou o conceito de peak oil (ou pico na produção de petróleo) e “acertou na mosca” na sua aplicação aos 48 campos de petróleo do país, prevendo que esses picos aconteceriam em 1970 para o petróleo e em 1973 para o gás natural. Esses estudos foram retomados por Campbell [3] nos anos 90 e atualmente há (pelo menos) uma dúzia de ASPO (Association for the Study of Pek Oil) em diferentes países acompanhando essa questão [4, 5].

O “ciclo vital” de um recurso finito apresenta uma etapa inicial na qual as atividades tomam corpo de maneira tímida, se consolidam e crescem rapidamente em função dos benefícios que oferece a sua utilização, passam pelo seu auge (a “época de ouro”) e entram em declínio assim que as dificuldades técnicas e econômicas para sua exploração aumentam (refletindo o seu “esgotamento”), isto é, a relação custo/benefício se torna cada vez mais desfavorável. A tradução matemática deste comportamento é a curva sigmóide para a produção acumulada, e a curva tipo gaussiana para a velocidade de produção, na qual aparece o pico ilustrado que indica o momento em que mais ou menos a metade dos recursos já foi aproveitada (metade da área embaixo da curva).


Os dados da PETROBRAS [6] registram uma produção de petróleo que parte de 2.662,9 barris/dia em 1954 (971.958 barris/ano) e atinge 1,72 milhão barris/dia (unos 629,1 milhões barris/ano) em 2006, totalizando de lá para cá uma produção acumulada de uns 8,9 bilhões de barris (mais precisamente 8.902.630.786 barris de petróleo) até dezembro de 2006, segundo o BEN 2007. Em agosto de 2008 a produção no país foi de 1,88 milhão barris/dia de petróleo e 52,7 milhões m3/dia de gás natural.

Por outro lado, o Balanço informa que na mesma data, as reservas de petróleo “medidas-inventariadas-provadas” são de 12,2 bilhões de barris (12.155.599.244 barris) e as reservas “estimadas-inferidas” são de 6 bilhões de barris (5.980.446.997 barris), totalizando 18,2 bilhões de barris de petróleo.

As estimativas para o Brasil publicadas [7] referem-se à relação “Reservas/produção” (R/P) e indicam um valor atual de 19-20 anos, em decréscimo para os próximos anos.

Obviamente, depois das recentes descobertas do pré-sal em Tupi (6-8 bi), Júpiter (6-8 bi), Carioca (25-40 bi), Guará,... a situação mudou [8, 9], e as estimativas apontam a possibilidade de uns 50 bilhões de barris de petróleo, com informações de que a produção da Petrobrás na área de pré-sal poderia atingir 1,26 milhão barris/dia de petróleo e 53 milhões m3 de gás natural para 2017. Isto é, Brasil passaria a fazer parte do grupo dos grandes produtores de petróleo e tornar-se-ia um exportador do mesmo.

Assim, com um modelo simples foram construídos vários cenários utilizando a expressão onde

P = Po exp (– Y²), onde: Y = ( n – no )/α

sendo P o valor da produção anual (velocidade de produção, em barris/ano) para o ano n, no o ano em que acontece o máximo dessa produção, Po o valor máximo e α um parâmetro de ajuste da curva.


A figura ilustra os cenários, mostrando como na medida que a quantidade das reservas (área embaixo da curva) aumenta, o ano de pico se desloca para direita e o pico de produção sobe, assim como o fim da curva (o ano em que “acabaria o petróleo”) se desloca para direita. A tabela traz os valores calculados para cada situação imaginada.



Como informação adicional, a capacidade instalada de refino das 11 refinarias da Petrobrás que operam no país é de 1.986.000 barris/dia, sendo que em 2006 foram processados 1.746.000 barris/dia, indicando um fator de utilização de 87,9%; considerando as 5 refinarias da Petrobrás no exterior (duas na Argentina, duas na Bolívia, e uma nos EUA), a capacidade instalada vai para 2.227.000 barris/dia e o volume processado em 2006 foi de 1.940.000 barris/dia (um fator de utilização de 87,1%). Como é previsível (num cenário mais corriqueiro) que a demanda de derivados de petróleo continue aumentando e, também, que seja mantido o objetivo da auto-suficiência, haverá que aumentar a capacidade instalada, mais ainda se a proposta fosse exportar também derivados, além do petróleo.

É óbvio que a evolução efetiva da produção/processamento nos próximos anos depende de decisões político-institucionais que levarão em consideração aspectos técnicos, econômicos e geopolíticos, conforme a visão estratégica que foi/é/será planejada para a inserção do país no cenário internacional.

REFERÊNCIAS

[1] CENCIG, M.O, Peak oil in Brazil: an attempt, Proceedings ECOS 2008 – 21st International Conference on Efficiency, Cost, Optimization, Simulation and Environmental Impact of Energy Systems, June 24-27, 2008, Kraków, Polônia, Volume 3 (1349-55).

[2] HUBBERT, M.K. Nuclear Energy and the Fossil Fuels, presented before the Spring Meeting of the Southern District, American Petroleum Institute, Plaza Hotel, San Antonio, Texas, March 7-8-9, 1956.

[3] CAMPBELL, C.J. The imminent peak of world oil production, presentation to a House of Commons All-Party Committee on July 7th, 1999, presentation available for download at www.hubbertpeak.com/campbell/commons.htm, accessed on 5/12/2007.

[4] ASPO (Association for the Study of Peak Oil & Gas), site www.peakoil.net.

[5] HUTTER, F. Peak Oil Depletion & Energy Issues, available at www.trendlines.ca/energy.htm, accessed on 5/12/2007.

[6] Ministry of Mines and Energy / EPE. Brazilian Energy Balance 2007, Rio de Janeiro, Brazil, 60 pages, 2007.

[7] Ministry of Mines and Energy / EPE, Ten-Year Energy Expansion Plan 2007/2016, Brasília, December 2007.

[8] Informação publicada pela Agência de Notícias da Petrobrás em 11/08/2007. Disponível em www.agenciapetrobrasdenoticias.com.br/en_materia.asp?id_editoria=8&id_noticia=4042, acessada em 5/12/2007.

[9] BERMAN, A. What’s new in exploration, WorldOil Magazine, Feb 2008.

Um comentário:

Edmar de Almeida disse...

Mario,
parabens pela reflexão. Tudo indica que realmente se trata de um novo maná. A grande questão que se coloca agora é de onde virão os recursos financeiros necessários aos investimentos para desenvolver a área do pré-sal? Esta questão precede todas as outras.

Na minha opinião a Petrobras não tem condições de alavancar os recursos necessários. Em algum grau teremos que fazer a seguinte escolha:

Opção 1 - Colocar dinheiro público para capitalizar a Petrobras.

Opção 2 - Convidar outras empresas, alé das que já estão associadas com a Petrobras a investir.

As opções não são excludentes. Mas devemos escolher qual opção enfatizar.