segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Reservas do Pré-sal... Uma maldição para o Brasil? (1ª Parte)

Edmilson Moutinho dos Santos (edsantos@iee.usp.br)
Instituto de Energia e Eletrotécnica, USP

Paul Poulallion (ppoulallion@sinde.com.br)
SINDE - Sinergia e Desenvolvimento Ltda.

Revisitando o tema da Síndrome Holandesa para o Brasil Pós-pré-sal

Devido ao súbito acesso a enormes riquezas naturais, muitos países são submetidos à chamada Síndrome (ou Doença) Holandesa. Tal conceito foi reconhecido pela revista “The ECONOMIST” em 1977, analisando os sintomas de uma crise econômica estrutural que ocorria no Reino Unido após o aumento dos preços do petróleo de 1973 e as descobertas de petróleo e gás natural no Mar do Norte. O economista Lauro Vieira de Faria, da FGV-RJ, publicou um estudo desse fenômeno inglês na revista “Conjuntura Econômica” da FGV, em agosto de 1984, no caderno “Perspectivas Internacionais”, com o titulo “Quando a riqueza atrapalha”. Neste trabalho, o autor procurou demonstrar que o colapso da produção industrial e do emprego na Grã Bretanha dos anos 1970 esteve diretamente relacionado aos efeitos da produção offshore de petróleo. Tal situação conduziu ao profundo processo de reestruturação econômica introduzido posteriormente pelo governo conservador de Thatcher.

Alguns economistas tais como Gregory, em 1976, W. Max Corden, 1982 e J. Peter Neary, ??, desenvolveram trabalhos procurando melhor compreender o fenômeno da Síndrome Holandesa (e tentar propor remédios para ele). Trata-se do chamado “paradoxo da riqueza”, isto é, um conjunto de efeitos negativos gerados pela expansão de um setor econômico dominante, quase sempre associado à produção de uma riqueza natural, que conduz à contração, e até mesmo a destruição, dos demais setores de produção de bens intercambiáveis. O petróleo tem sido o principal foco de investigações (como as de Collier e Hoffler, 2002).

A Doença Holandesa resulta entre outros da concentração financeira e do poder que um único setor, ou uma única região, em detrimento do resto do país, tem de atrair as capacidades gerenciais, de trabalhadores formados e, sobretudo, da alta inteligência disponível na comunidade nacional. Tais recursos de difícil multiplicação tornam-se escassos e seu acesso torna-se mais difícil para os demais setores da economia. Tal situação quase sempre conduz a perdas de produtividade e competitividade para esses setores e o país torna-se cada vez mais dependente do sucesso do setor dominante.

Além disso, o setor dominante precisa ser financiado antes de poder gerar riquezas. Em países onde tal financiamento não pode ser realizado através de poupança interna, torna-se necessário promover um grande afluxo de investimentos externos. A moeda doméstica tende a apreciar-se em relação às moedas externas e a taxa de câmbio torna-se desfavorável para a atração de novos investimentos ou a promoção de exportações dos demais setores da economia. Por fim, o setor dominante adquire um papel tão central para o futuro econômico, social e político da nação, que seu maior controle pelo Estado torna-se inevitável. Assim, o próprio setor dominante gradualmente contamina-se pela força destrutiva da maior intervenção estatal, além de perder transparência e passar a ser o principal foco de corrupção.

Assim, a Síndrome Holandesa, em um viés puramente econômico, pode ser explicada pela ação conjunta de dois efeitos muito significativos:
  • Efeito movimentação de recursos: o boom no setor extrativista eleva a produtividade dos fatores lá empregados, drenando recursos de outros setores da economia.
  • Efeito-despesa: a elevação da renda real e a maior obtenção de divisas valorizam o câmbio resultando em diminuição das exportações tradicionais e aumento de importações.
Como resultado:
  1. A produção e o emprego crescem no setor extrativista e decrescem nos setores manufatureiros tradicionais;
  2. Os preços dos bens não transacionáveis no exterior crescem em relação aos dos transacionáveis;
  3. Aumenta o salário real, medido em termos dos bens transacionáveis.
O Mal Holandês que alguns países experimentam acidentalmente e por um período reduzido de tempo, infelizmente parece ser uma endemia no Brasil. Devido a suas riquezas naturais, o Brasil parece permanentemente submisso aos efeitos da Síndrome Holandesa. Assim foram as eras do Ouro (Ouro Preto), do café (São Paulo), da borracha (Manaus), do aproveitamento das águas através da construção de grandes barragens (com destaque para Itaipu e Tucuruí), dos minerais (Carajás) da agropecuária (sul e centro), do petróleo (Rio de Janeiro), da bioenergia (centro alcooleiro), e de tantos outros que nos parecem reservados no futuro.

Lauro Vieira de Faria apresentou em seminário da ENERJ, no Rio de Janeiro, em 2006, um estudo denominado “Energia e Recursos Naturais: Produzir ou Consumir?”. Nesse estudo, o autor compara o desempenho econômico do estado do Rio de Janeiro em relação ao do Brasil. Para diferentes cenários de preço do petróleo, o RJ quase sempre desempenha pior do que o resto do Brasil. A única exceção ocorre nos períodos de grande elevação do preço do petróleo. Nesses casos, a produção de óleo impulsiona o crescimento econômico. Tais conclusões parecem evidenciar-se através de diversas publicações em jornais que mostram dados comparativos de desenvolvimento humano entre os municípios do estado do Rio de Janeiro e de outras regiões do Brasil (vide, por exemplo: O Globo de 20 de novembro de 2005, “Petróleo cria pobres municípios ricos no Rio”).

Em resumo, análises objetivas da historia do Brasil mostram que o país sempre esteve muito vulnerável aos efeitos da Síndrome Holandesa, assim como aconteceu em outros países como a Holanda, a Grã Bretanha, a Austrália, a Espanha e a Nigéria, bem como diversos países africanos. Parece tratar-se de uma endemia com as marcas permanentes no Brasil:
  • Variação da taxa de câmbio; volatilidade dos termos de trocas, desvalorização ou apreciação da moeda nacional;
  • Destruição das estruturas de produção; desindustrialização; perdas de competitividade por manque de acesso às tecnologias novas;
  • Degradação dos sistemas de educação, saneamento básico, saúde, habitação popular;
  • Degradação das infra-estruturas, estradas, ferrovias, portos, hidrovias;
  • Baixa qualidade das instituições; corrupção, violência, marginalização de sectores da população.
Dentro desse quadro, convidamos os amigos leitores a refletirem sobre o tema do nosso título, ou seja: RESERVAS DO PRESAL... UMA MALDIÇÃO PARA O BRASIL?

Um comentário:

Edmar de Almeida disse...

Edmilson,
Minha opiniao é que muito dificilmente o Brasil padecerá do Mal Holandês. Nossa economia é suficiente grande e diversificada para que os investimentos no setor de petróleo nao sejam um problema pro Brasil. Pelo contrário, vejo o pre-sal como uma oportunidade para dinamização de vários segmentos industriais da cadeia de fornecedores para o setor petrolifero.

Bem, tambem não concordo que historimente sofremos de mal holandes. Pelo contrario, o Brasil padeceu muito tempo de "falta de dólares". Nosso pais conviveu muito tempo com uma crise estrutural no setor externo.

Enfim, mas acho que é um bom debate. Este tema vale um seminário específico.

Saudacoes energéticas.