quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O Pré-sal e a Política Energética

Edmar de Almeida, Helder Queiroz e Ronaldo Bicalho
Grupo de Economia da Energia
Instituto de Economia, UFRJ

Imaginemos que em toda área do pré-sal exista óleo e gás em abundância, sem grandes riscos geológicos. Imaginemos ainda que o Brasil tenha encontrado uma área com uns 100 bilhões de barris, com custos de produção razoáveis. Imaginemos que tenhamos a capacidade de, num horizonte de 10 anos, estar produzindo algo em torno de 5 a 6 milhões de barris por dia - mbpd - e exportando algo em torno de 2 a 3 mbpd. Quais os desafios que isto implicaria para a atual política energética nacional?

Basicamente, todos os aspectos da política energética nacional seriam alvo de grandes questionamentos e debates razoáveis. A título de exemplo podemos, sem necessariamente tomar partido sobre esta ou aquela posição, levantar um leque de questões que merecem ser examinadas com cuidado no âmbito da política energética.

Política Petroleira

Num contexto em que o Brasil seja grande produtor e exportador líquido surge a questão da renda do petróleo. Atualmente, as participações governamentais estão calibradas para um contexto de risco geológico elevado. A descoberta de uma área de baixo risco geológico implica uma discussão sobre o nível adequado e sobre as formas de elevação das participações governamentais. Quanto às formas, surge no debate a hipótese de mudança do sistema de concessões para o sistema de repartição de produção. Neste último caso, as empresas operadoras pagam as participações governamentais em petróleo. Ou ainda alguma alternativa híbrida, dada a mudança de percepção do risco geológico que tais descobertas propiciaram.

Outro tema relevante seria a conveniência ou não do Brasil se tornar um membro da OPEP. Esta hipótese foi lançada pelo próprio governo na ocasião do anúncio da descoberta do pré-sal. Entretanto, isto também implicaria a necessidade de mudanças radicais no marco regulatório do setor para garantir que o governo tenha mecanismos de ajustar a produção de acordo com as variações das cotas da OPEP. E tenderiam a ignorar que as descobertas do Pré-Sal se constituem numa ilustração exemplar da abertura do upstream que permitiu a repartição de custos, riscos e dos futuros prêmios associados a descobertas tão significativas, tais como as que ora se anunciam.

Um tema cujas discussões se iniciam seria o que fazer com a renda do petróleo. Os atuais critérios de repartição foram criados com a hipótese de que esta renda não seria um volume de recursos muito significativo. Num novo contexto, as distorções fiscais seriam inaceitáveis, caso se mantenham os atuais critérios. Fazendo uma conta grosseira, se o Brasil tivesse produzindo hoje 5 mbpd e se as participações governamentais fossem, em média, de 50% (valor conservador), a parte do governo no bolo poderia beirar os 100 bilhões de dólares. Ou seja, algo como 20% de toda a arrecadação de impostos do país. Fica evidente que este recurso poderia ser suficiente para atacar vários dos nossos problemas tributários e macroeconômicos.

Política do Gás Natural

A política nacional de gás natural deverá também sofrer importantes mudanças. A primeira importante se refere à política de preços. Num cenário em que o Brasil se torne auto-suficiente e, até mesmo, exportador, as pressões para que o mercado doméstico usufrua de preços menores que o praticado no exterior serão fortes. Gás natural barato será visto como fator de desenvolvimento. Neste contexto, cabe perguntar o que será das importações da Bolívia. Obviamente a estratégia de integração gasífera não terá espaço no contexto de auto-suficiência em gás.

A disponibilidade de gás também gerará pressões para que este combustível tenha um maior espaço da matriz elétrica. Estas pressões vão de encontro à política energética atual de privilegiar a geração hidroelétrica.

Enfim, são muitas questões em aberto num cenário de um pré-sal com reservas de 100 bilhões de barris. Por enquanto trata-se apenas de cenários e possibilidades de transformar recursos em reservas provadas. Mas uma coisa é certa: se existir muito óleo, os analistas de política energética terão que trabalhar na mesma proporção para que os políticos não privilegiem este ou aquele tema, esquecendo-se da necessidade de dar consistência a uma política energética que permita potencializar os frutos da riqueza petrolífera. Em outros termos, certamente não teremos, neste contexto, problemas de dotação de recursos energéticos. Porém, sempre há o risco das soluções para lidarmos com a abundância de recursos resultarem em problemas que podem nascer da implementação de políticas equivocadas e nãointegradas.

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